Riscos de locações por aplicativos

17 de outubro de 2019 às 0h01

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Crédito: Filó Alves

Kênio de Souza Pereira *

As locações de apartamentos ou de seus quartos por meio de aplicativos têm gerado preocupação. A falta de compreensão das leis e a redação falha das convenções tem ocasionado conflitos. Ministro Luís Felipe Salomão, como relator do processo que está em julgamento no Superior Tribunal de Justiça, entendeu ser viável alugar os quartos de dois apartamentos de um edifício em Porto Alegre (RS) por meio do Airbnb, mediante um voto que não aprofundou na realidade do mercado, que resultou no adiamento da decisão diante do pedido de vista do Ministro Raul Araújo.

Todos somos adeptos dos benefícios incalculáveis do avanço das tecnologias, que reduz distâncias, burocracias e custos, mas fato é que sua utilização não livra as pessoas de observarem as leis. Não é porque a tecnologia agiliza procedimentos que quaisquer “processos” possam ser praticados por todos indistintamente. Mudou o ambiente, de físico para virtual, mas as leis que regulam as relações jurídicas continuam as mesmas.

Um apart-hotel, onde há enorme rotatividade de pessoas que exige o controle por recepcionistas e porteiros especializados, além de seguranças para reduzir atos ilícitos, o que resulta numa quota de condomínio muito mais elevada que um prédio residencial. Não é justo os moradores do prédio residencial serem sacrificados com aumento de água, energia e elevadores, pelos que desejam lucrar mais sem ter o custo de um apart-hotel.

O Ministro Luís Felipe, como relator, analisou a utilização do apartamento como se fosse uma casa, ignorando os incômodos que são inerentes à alta rotatividade, ao afirmar “penso ser ilícita a prática de privar o condômino do regular exercício do direito de propriedade, em sua vertente de exploração econômica”, tendo ele esclarecido que a locação diária não se enquadra na Lei do Inquilinato e nem como hospedagem por não oferecer outros serviços. E acrescentou, dizendo: “Tampouco há qualquer prova ou elemento indiciário de quebra ou vulneração de segurança quanto ao convívio no Condomínio. Com efeito, há mesmo, ao revés, uma ideia de que a locação realizada por tais métodos (plataforma virtual) são até mais seguros – tanto para o locador como para a coletividade que o locatário convive, porquanto fica o registro de toda a transação financeira e os dados pessoais deste e de todos os que vão permanecer no imóvel, inclusive com históricos de utilização do sistema”.

Na realidade, temos casos concretos, como de uma construtora em Belo Horizonte-MG, que ao conseguir vender apenas 10 do total de 20 apartamentos de um prédio no bairro Santo Antônio, visando obter lucro com as unidades vazias, passou a anunciá-las em 30 sites, dentre eles o Airbnb. É impossível apurar a idoneidade de cada turista, pois obter documento falso é fácil.  O resultado foi a ocupação de todo tipo de pessoas, para grupos de jovens festeiros e programas sexuais, sendo os moradores assediados nos elevadores pelos “clientes”, que resultaram em vários Boletins de Ocorrência, além de perda do sossego e da insegurança. No dia 05/09/19, a 13ª Câmara Civil do TJMG deferiu liminar determinado a proibição de fazer o prédio um apart-hotel, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00, tendo o sábio Desembargador Luiz Carlos Gomes da Mata comentado no voto “Os fatos narrados e fartamente comprovados nos autos são assustadores, pois revelam um drama que as acachapantes modificações dos costumes e práticas comerciais podem impor às família no âmbito do que lhe é mais sagrado: o lar. (…) E é gritante o risco a que estão sendo expostos, com o fluxo diário de estranhos no prédio, que é de uso residencial.”

O construtor abusou de seu direito de votar e impôs aos compradores/vítimas a contratação de um síndico profissional e de porteiros, mesmo contra a vontade de 9 condôminos que explicaram que um deles poderia ser síndico e que não era necessário porteiro. O fato é que os moradores estão sendo lesados ao arcarem com a estrutura de 4 porteiros para controlar as chaves dos apartamentos destinados aos hóspedes.  Caso o construtor avisasse que o prédio seria de alta rotatividade, certamente as famílias não teriam comprado os apartamentos.

O Código Civil concede poderes a 2/3 dos condôminos para limitar e regulamentar o uso da edificação, não tendo nenhum coproprietário direito de fazer o que bem entende com seu apartamento. Se deseja fazer locação diária basta comprar uma casa ou um apart-hotel.

Para um ladrão ou assaltante ter acesso aos prédios até com sistemas de segurança, basta agora fazer um cadastro falso num aplicativo, pagar uma diária e assim terá a chave do prédio. Será que os defensores da “modernidade sem responsabilidade”, somente após os arrastões e demais crimes – filmados pelas câmeras e sistemas de segurança – perceberão que um prédio residencial não tem a estrutura de um apart-hotel que possui recepcionistas e seguranças especializados para inibir tais crimes ou abusos?

O crescimento desse tipo de hospedagem retira do mercado centenas de apartamentos, gerando a escassez e o aumento dos aluguéis para quem reside na cidade. Além disso gera desemprego no setor hoteleiro. Esse efeitos negativos foram comprovados em Paris, Barcelona, Nova York, Amsterdã e diversas cidades que acabaram criando restrições ao Airbnb que não gera empregos onde ele fatura.

*Advogado e Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG, Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis e Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG

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