O fim e os meios

15 de junho de 2019 às 0h01

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Crédito: REUTERS/Adriano Machado

Cesar Vanucci *

“O fim justifica os meios.” (Maquiavel, pensador italiano do século XV, famoso pelos seus conceitos anarquistas)

Ao contrário do que prega Maquiavel, o fim não justifica os meios. Os valores humanísticos, os princípios democráticos basilares, os direitos civilizatórios repelem o emprego de expedientes antiéticos, subversivos do ponto de vista jurídico, adotados em decisões que possam alvejar a dignidade humana. Se entendimento tão saudável, nascido do bom senso universal, fruto de uma lúcida e amadurecida interpretação das sagradas regras da boa convivência humana, não prevalecesse como conquista moral da civilização, com toda certeza muita gente estaria advogando aí, de forma aterrorizante, a implantação rotineira de métodos de suplicio e tortura para arrancar confissões de suspeitos, de desafetos, de pessoas que não rezem por sua cartilha. Acontece em momentos trevosos da história, em diferentes épocas.

Ilustres personagens da chamada Operação Lava Jato, em que pesem os meritórios resultados de muitas das ações deflagradas no andamento do complexo e saneador processo, andam um tanto quanto confusos no que concerne aos recursos a serem empregados na execução satisfatória de suas tarefas institucionais. Foram flagrados, outra vez mais, em clara e criticável ultrapassagem de velocidade quanto ao itinerário a percorrer traçado pelo Direito. No afã de executar a contento sua relevante missão, sentem-se inteiramente à vontade para avançar em território situado além dos limites de sua competência. Fique claro que os encargos de que se acham investidos asseguram-lhes poderes especiais, de modo a que as diligências possam ser bem-sucedidas. Mas, podendo muito, eles, incontestavelmente, nem tudo podem. Todavia, isso parece passar desapercebido, não poucas vezes, à sua compreensão. Bem emblemática desses impulsos despropositados é aquela história, de pouco tempo atrás, da criação, no âmbito da atuação do núcleo operacional da Lava Jato, de um Fundo Social constituído de volumosos recursos que outra destinação não poderiam ter senão os cofres do Tesouro Nacional, como restou comprovado.

O site “The Intercept Brasil” traz, agora, a lume o cometimento de outras exorbitâncias. Élio Gáspari, uma das vozes mais influentes do nosso jornalismo, descreve em texto impecável o aturdimento causado pela postura assumida, na questão em tela, pelo ex-juiz, atual ministro Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol. Classifica de “impróprias” as conversas mantidas por ambos, figuras de participação exponencial nas investigações pertinentes às fraudes da Petrobras. Elas (as conversas) – sustenta o jornalista – “enodoaram a Lava Jato e fragilizaram a condenação imposta a Lula pelo triplex de Guarujá (SP)”.

No modo de ver do jornalista, o ministro posicionou-se de “forma arrogante” (…) às revelações do site “The Intercept Brasil”, obrigando “muitos daqueles que gostariam de defendê-lo a ficar no papel de bobos”. O comentário de Gáspari anota, ainda, “o fato grave de se ver um juiz, numa rede de papos, cobrando do Ministério Público a realização de operações, oferecendo uma testemunha a um procurador, propondo e consultando-o a respeito de estratégias”. Tal procedimento, aduz, leva à constatação de que, “o viés militante de Moro e Deltan na Lava Jato afasta-os do devido processo legal”. Outra incisiva e pertinente manifestação do mesmo comentarista: “Em nome de um objetivo maior, a Lava Jato e Moro cometeram inúmeros pecados factuais e algumas exorbitâncias, tais como o uso das prisões preventivas como forma de pressão para levar os acusados às delações premiadas. Como não houve réu-delator que fosse inocente, o exorbitante tornou-se conveniente. Ao longo dos anos, Moro e os procuradores cultivaram e, em alguns casos, manipularam a opinião pública. Agora precisam respeitá-la”.

Cabe, por derradeiro, registrar, a propósito de tudo quanto acima alinhado, que do site responsável pela divulgação continuam jorrando embaraçosas denúncias. Dizem respeito a outras infringências comportamentais ocorridas nas lides processuais, as quais, pela mesma forma, colidem com as leis, a ética e o bom senso.

  • Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

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