País sui generis

18 de julho de 2019 às 0h00

Carlos Perktold *

Nesta mesma página e há algum tempo, este articulista afirmou que somos um país sui generis, isto é, aquele que não tem semelhança com nenhum outro. Somos absolutamente singulares. Por causa dessa crença pessoal, arquivei e divido com o leitor alguns fatos que ratificam essa ideia, todos ocorridos nos últimos meses.

O jornal “O Globo”, de 13/07, traz matéria na qual informa que o prefeito de Búzios, aquele balneário lindo na costa do Rio de Janeiro, foi retirado judicialmente e voltou ao cargo por dez vezes este ano e ainda responde por outros cinquenta processos no Judiciário por desvio de dinheiro público. Ele é retirado, entra na Justiça e esta garante sua volta. Colocam-no pra fora novamente, ele entra na Justiça e esta garante sua volta. Isso ocorreu por dez vezes este ano. Algum europeu acredita nisso?

Um mês antes, no mesmo jornal e na coluna do jornalista Carlos Alberto Sardenberg, este descreveu várias falcatruas de políticos com roubos milionários e o nada que lhes ocorreu. O articulista menciona ainda que a Segunda Turma do STF aceitou denúncia do MP contra três deputados federais e um senador, todos do PP. A acusação é que houve “desvio” de R$ 390 milhões descoberto pela força-tarefa da Lava Jato. É o mesmo que US$ 100 milhões, muito dinheiro até para o rei Creso (último rei da Lídia). A denúncia foi bem elaborada por que três juízes votaram a favor da sua aceitação, mas mesmo assim, dois juízes (precisa citar os nomes?) entenderam que não havia motivos para aceitá-la, denúncia cujo inquérito data de 2015. Esses juízes não têm vergonha quando andam nas ruas? Eles não percebem que entrarão pra história do País como tão desonestos quanto os políticos acusados? Quem ainda elege deputados e senador dessa estirpe? Algum europeu acredita nestes relatos?

Em oito de junho deste ano a polícia encontrou uma montanha de dólares na casa de um ex-corregedor da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo em Itatiba. O dinheiro era de pagamentos de propinas de servidores estaduais acusados de corrupção e o corregedor se comprometia e livrá-los da acusação em troca do dinheiro. Algum europeu acredita nisso?

Esses são uma pequena amostra de casos envolvendo grandes figuras. São tantas as denúncias que nos transformaram em leitores exauridos de tanto ler notícias de roubalheira de dinheiro público. Tornamo-nos insensíveis diante dessas notícias. Habituamo-nos individualmente e nos acostumamos como povo a achar isso natural.

Mas não são somente grandes roubos de políticos que ajudam a fazer de nós um País singular. O mesmo jornal em edição de 27 de abril passado traz o relato de que maus motoristas transferiram 413 multas de trânsito para outro, falecido há tempos. Diga-me leitor: quem, no mundo, pensaria em algo semelhante? Roubo de tampa de bueiro de esgoto e sua venda em empresas de ferro-velho são comuns. Estátuas de bronze são levadas e derretidas a troco de trinta moedas. Como é possível que um empresário compre algo que é descaradamente roubado? Alguém ainda se lembra do que ocorreu com a taça Jules Rimet?

Mas ainda há esperança. O roubo mais espetacular deste ano foi frustrado durante o assalto. No início de julho, um grupo de bandidos contratou empresa de guincho para retirar uma imensa caixa d´água de aço em condomínio do programa Minha casa, minha vida, no Rio de Janeiro (sempre ele!). A empresa desconhecia que os contratantes eram bandidos e que os operários que tentavam cortá-la com maçarico eram assaltantes ou milicianos. Os moradores, os mais prejudicados com a potencial perda de água, desconfiaram e chamaram a polícia. Todos os meliantes fugiram.

Comente esses relatos, já esquecidos por muitos de nós, com algum amigo europeu e aguarde sua reação. Entenderão por que o Brasil é um país sui generis.

*Advogado, psicanalista e escritor

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