Atividade minerária em MG precisa ser revista

28 de novembro de 2019 às 0h15

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O primeiro dia do fórum O Quadrilátero Ferrífero e os ODS: Visões de Futuro, realizado ontem no auditório de engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), trouxe uma série de discussões sobre o futuro do setor no Estado tendo em vista os desafios relacionados à sustentabilidade e à igualdade social.

Lembrados durante vários momentos, os rompimentos das barragens do Fundão, em Mariana, e do Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), serviram como pano de fundo para destacar a importância de tomar atitudes urgentes em relação às atividades minerárias no Quadrilátero Ferrífero. A região envolve estas e outras cidades do Estado, como Sabará, Congonhas e Nova Lima.

Os chamados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Organização das Nações Unidas (ONU), conta com várias ações que devem ser implantadas por todos os países do mundo até o ano de 2030. No entanto, eles esbarram em alguns desafios que precisam ser superados e que foram abordados no evento.

Diretrizes – Durante a abertura do fórum, o superintendente de política minerária, energética e logística de Minas Gerais, Daniel Rennó, destacou que a Secretaria de Desenvolvimento Econômico recebeu da atual gestão duas diretrizes principais: a desestatização e a atração de investimentos, com objetivo de equilibrar as contas e retomar os investimentos.

Ele lembra, todavia, que não se pode ter uma visão estreita que leva em conta apenas o crescimento econômico. “É preciso pensar nas consequências das medidas de crescimento”, diz ele, que lembra que a Secretaria de Desenvolvimento Econômico já discute e elabora ações que lidam com o território do Quadrilátero Ferrífero.

Recurso hídrico – Diante dessa necessidade de mudar o formato da exploração como ela é realizada atualmente, conforme ressalta o professor da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Pedro Fonseca, há muitas medidas que podem ser tomadas.

O profissional, que foi um dos painelistas do “Science Policy Report: uma nova visão de água e governança para a sustentabilidade em paisagens de mineração e de pós-mineração”, destacou os resultados que constam em um documento que leva o título da palestra. O material foi elaborado por jovens cientistas a partir de um workshop feito por entidades como a Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Academia Alemã de Ciências Leopoldina, entre outras.

Uma das conclusões do conteúdo é a necessidade da adoção de um sistema de gestão de água. Conforme destacou o professor, é importante haver todo um cuidado com o recurso hídrico desde o nascimento da ideia da exploração até o seu fim e também após o desligamento das atividades. “As minas e os ambientes de exploração não podem ser vistos como ilhas isoladas”, disse ele.

Outro importante campo de ação para a mineração tem a ver, de acordo com o professor, com a participação das comunidades científicas no processo, com um financiamento para a ciência conduzido de maneira independente.

O também painelista e cientista do departamento de biologia geral da UFMG, Diego Guimarães, frisou que é relevante “o estabelecimento de normas internacionais e de transparência na gestão do conhecimento”.

“É importante democratizar o acesso aos dados e oferecer o máximo de transparência para a população”, diz ele, que lembra que a população pode se auto-organizar e aprender a gerir as informações que lhes são disponibilizadas.

Dessa forma, uma plataforma de acesso aberto para a troca e o compartilhamento de informações acerca das atividades de mineração pode ser criada para alcançar essa transparência. Assim, será possível promover também a confiança, destaca o professor, algo que tem se perdido atualmente.

Outro resultado do documento apresentado por Diego Guimarães revela a importância de haver um “desenvolvimento proativo de planos de contingência e de esforços para a mitigação de potenciais falhas”.

Isso está relacionando, segundo o profissional, à preservação ambiental, com monitoramento e prevenção de riscos em todo o momento das atividades minerárias, além do preparo de planos de ação imediatos em situações em que ocorra falha grave.

Tragédias exigem respeito às histórias das pessoas

“Quadrilátero Ferrífero e Governança Territorial” foi um dos temas abordados pelo pesquisador da Fundação João Pinheiro, José Osvaldo Lasmar, no painel sobre Identidade Territorial.

Durante a palestra, ele abordou a importância de uma boa governabilidade para a resolução de conflitos e isso depende, de acordo com o profissional, com a qualidade das instituições, que muitas vezes vêm se deteriorando.

Além disso, ele também destacou os Comitês de Bacias, que discutem o uso das águas, e como o Quadrilátero Ferrífero pode turbiná-los.

O coordenador-geral e acadêmico do Programa Polos de Cidadania da UFMG, André Dias, também na palestra sobre identidade territorial, falou acerca sobre “Cidadanias e Existências no Quadrilátero Ferrífero”.

Um dos pontos abordados pelo profissional foi “a violação de direitos e dano existencial em contextos de conflitos e desastres socioambientais”.

Algumas das violações de direitos que costumam ocorrer em situações de tragédias de grandes proporções como essas são “pouca transparência e acesso à informação, perda de autonomia dos sujeitos, tanto individuais quanto coletivos, fragmentação de vínculos de confiança e solidariedade”, entre outros, conforme abordado por André Dias no painel.

Já o dano existencial, apontou o profissional, tem a ver com uma consequência negativa na rotina de uma pessoa, que sofreu alterações por causa de ações lesivas.

Dessa forma, defendeu ele, deve haver toda uma preocupação com os indivíduos que foram afetados por tragédias como as que ocorreram em Mariana e Brumadinho, tendo sempre “respeito às histórias das pessoas”, destacou.

Segundo André Dias, é muito importante que se tenha não somente a ética da justiça, mas também que ela possa ser complementada com a ética do cuidado, que envolve “cuidar, ser cuidado e cuidar de si”.

Questão de saúde – A importância do cuidado com as pessoas também foi abordada durante o painel “Mutirão de Universidades para o Desenvolvimento Econômico e Sustentável do Quadrilátero Ferrífero”.

Um dos destaques foi a exposição feita pelo médico e pesquisador da Fiocruz, Rômulo Paes. Ele ressaltou o Projeto Saúde Brumadinho, idealizado pela entidade. Trata-se de um estudo longitudinal que foca as condições de saúde das pessoas que moram no município, tendo como pano de fundo os efeitos do desastre ocorrido na cidade.

A ideia é que existam contribuições para a estruturação dos serviços que envolvem os cuidados com a saúde diante de tragédias que assolam o País.

O pesquisador também lembra que o estudo mira as modificações ocorridas após o desastre. Dentro disso, contempla-se a percepção da população em relação ao rompimento da barragem e as suas consequências, exames físico e bioquímico, entre outros elementos.

“Existe nesses casos também a sobrevivência do medo, ou seja, gerações seguintes ou pessoas que eram muito novas quando a tragédia ocorreu podem acabar desenvolvendo, pela convivência, as características de quem viveu a tragédia”, diz ele.

Por fim, Rômulo Paes utilizou uma palavra que diz muito sobre tudo o que foi discutido no dia: transformação. Para ele, não se deve pensar em resiliência no sentido de retornar às condições anteriores às tragédias que ocorreram no Estado recentemente.

“Isso seria pouco. Devemos pensar em transformação, em recuperar os municípios e os seus entornos de modo que eles fiquem melhores do que antes do desastre”, diz.

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