Desindustrialização no Brasil: desafios e a Nova Política Industrial

1 de fevereiro de 2024 às 5h16

A transformação econômica do Brasil ao longo das últimas décadas tem sido marcada por um processo profundo de desindustrialização. Esse fenômeno complexo reflete uma mudança significativa na estrutura produtiva do País, evidenciada pela diminuição da contribuição do setor industrial para o Produto Interno Bruto (PIB), na geração de empregos e na capacidade de produção. Para se ter uma ideia, na década de 1980, a indústria de transformação representava cerca de 30% da riqueza nacional, porém, em 2022, essa fatia despencou para menos de 10%, um declínio que não é exclusivo do Brasil.

Vários fatores impulsionaram esse declínio industrial. A globalização, ao abrir as fronteiras comerciais, expôs as indústrias locais a uma concorrência acirrada de países com custos de produção mais baixos e maior eficiência. Mudanças na política econômica das décadas de 1990 e 2000 tornaram as exportações brasileiras menos competitivas no mercado internacional, afetando diretamente a indústria nacional. A infraestrutura precária e os altos custos logísticos sobrecarregam a indústria brasileira, tornando-a menos eficiente e competitiva em comparação com seus concorrentes globais. Questões estruturais, como impostos elevados, legislação complexa, burocracia excessiva e encargos trabalhistas, contribuíram para elevar os custos de produção, dificultando ainda mais a sobrevivência do setor no mercado global.

A vulnerabilidade externa da economia brasileira, influenciada pelo mercado global, também é um fator relevante. Oscilações nos preços das commodities, como petróleo e minério de ferro, afetam diretamente as indústrias brasileiras dependentes desses recursos. Além disso, a concorrência com produtos importados, muitas vezes em condições desvantajosas, surge como um agravante.

Nesse contexto, observa-se um deslocamento da estrutura produtiva para setores de menor valor agregado, como os serviços, enquanto as indústrias tradicionais lutam para se manter relevantes e competitivas. Isso não apenas prejudica o crescimento econômico, mas também afeta o mercado de trabalho, reduzindo a geração de empregos de qualidade e limitando a capacidade de inovação.

Diante desse cenário, o governo federal anunciou recentemente uma nova política industrial, destinando R$ 300 bilhões em subsídios e empréstimos para desenvolver o setor. Inspirada nas ideias de Mariana Mazzucato, economista italiana e defensora da figura do “Estado Empreendedor”, essa política busca direcionar a economia e a inovação para objetivos sociais e ambientais, com foco em áreas como cadeias agroindustriais, saúde, bem-estar das pessoas nas cidades, transformação digital, bioeconomia, descarbonização e transição energética, além de defesa.

Do montante anunciado, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) contribuirá com a maior parte, destinando R$ 250 bilhões, enquanto os R$ 50 bilhões restantes virão da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii). Espera-se, porém, que essa nova política não seja parecida com aquelas adotadas na nada saudosa Nova Matriz Econômica.

Para quem não se lembra, no fim dos anos 2000 e início dos anos de 2010, houve um aumento significativo nos gastos financiados pelos bancos públicos, especialmente o BNDES. Entre 2008 e 2014, o Tesouro injetou, em valores ajustados, R$809 bilhões no banco de desenvolvimento. Enquanto o governo aumentava seu endividamento, pagando juros de mercado, o banco público concedia empréstimos subsidiados. No entanto, além de não promover o crescimento econômico esperado, esses gastos foram direcionados para muitos projetos fracassados e envoltos em casos de corrupção.

É fundamental reconhecer que a atuação do Estado no financiamento de projetos pode ser efetiva em cenários nos quais o retorno supera os custos de oportunidade, especialmente em termos de externalidades sociais positivas. No entanto, certos aspectos da nova política industrial levantam dúvidas quanto à sua potencial eficácia. A exigência de conteúdo local, por exemplo, parece conflitar com a ideia de inovação e competitividade, contrariando o princípio de vantagem comparativa. Nesse tocante, o tempo irá nos mostrar se a nova política é, de fato, nova, ou uma repetição de insucessos passados.

* Especialista em Educação Financeira no Grupo Suno. Sócio-fundador da Certifiquei, possui experiência como economista, atuando na gestão e elaboração de pesquisas e análises socioeconômicas. Mestre em Estatística pela UFMG.

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