Indenizações pagas pela Fundação Renova superam R$ 4,5 bi

30 de novembro de 2021 às 0h29

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Entre as ações de reparação previstas estão a construção de um novo distrito de Bento Rodrigues, em Mariana | Crédito: Divulgação / Fundação Renova

Alvo de inúmeras críticas e contestações, seja por meio do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) ou pelo próprio Ministério Público Federal (MPF), o Sistema Indenizatório Simplificado, desenvolvido pela Fundação Renova e implementado pela 12ª Vara Federal, está dando celeridade às negociações de indenizações com atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, da Samarco – mineradora controlada pela Vale e BHP Billiton – em Bento Rodrigues, ocorrido há seis anos.

Criado para compensar categorias com dificuldade de comprovação de danos, como lavadeiras, artesãos, areeiros, carroceiros, extratores minerais, pescadores de subsistência e informais, entre outros, o modelo já permitiu o pagamento de mais de 46,5 mil pessoas de 45 cidades entre Minas e o Espírito Santo, em valores que ultrapassam R$ 4,5 bilhões.

Apenas em Minas Gerais já foram pagos mais de R$ 2,1 bilhões para quase 23 mil pessoas desde setembro do ano passado. E, segundo a gerente de Gestão Integrada de Soluções Indenizatórias da Fundação Renova, Mariana Azevedo, em alguns casos, os recursos chegam a superar os valores arrecadados pelo respectivo município em 2020.

“Vemos algumas transformações como pessoas adquirindo a casa própria, pagando estudos ou abrindo o próprio negócio. E, por se tratar de um conjunto de pessoas, o movimento acaba se estendendo para toda a cidade ou região, alavancando a economia e aquecendo setores como comércio e serviços”, diz.

Os valores individuais das indenizações, definidos pela Justiça, variam de R$ 17 mil a R$ 567 mil e podem ser conferidos no site da Fundação Renova. Até o momento já foram desembolsados R$ 7 bilhões para cerca de 350 mil pessoas, somando os valores pagos pelo Sistema Indenizatório Simplificado e pelo Programa de Indenização Mediada (PIM) e de Auxílio Financeiro Emergencial (AFE).

“Na verdade, permanecem as duas possibilidades de indenização. O Sistema Indenizatório Simplificado é facultativo, mas tem acelerado os processos, uma vez que não exige tantos documentos comprobatórios. Os atingidos escolhem a representação legal e o advogado acessa a plataforma e tramita com as documentações. Temos tido uma adesão superior a 90% em termos de territórios, que foi acelerada pelo novo modelo”, afirma.

Mariana Azevedo: duas possibilidades de indenização | Crédito: Divulgação/Fundação Renova

Indenizações para Minas Gerais já somam R$ 2 bi

Os cerca de R$ 2,1 bilhões destinados a Minas Gerais foram desembolsados aos atingidos dos municípios de Dionísio, Rio Casca, Ponte Nova, Tumiritinga, Santa Cruz do Escalvado, Naque, Itueta, Galileia, São José do Goiabal, Pingo d’Água, Aimorés, Rio Doce, Bugre, Caratinga, Sem Peixe, Ipaba, Periquito, Resplendor – inclusive a comunidade Ribeirinha de Vila Crenaque e exceto o Povo Indígena – e os distritos de Senhora da Penha (Fernandes Tourinho), Ipaba do Paraíso (Santana do Paraíso), Cachoeira Escura (Belo Oriente), Baguari (Governador Valadares) e Revés do Belém (Bom Jesus do Galho).

Em Aimorés (Rio Doce), cerca de 5,7 mil habitantes receberam o valor total pago de aproximadamente R$ 534,7 milhões. É o município mineiro com o maior número de pessoas indenizadas pelo sistema até então e o maior valor pago, e ultrapassou o PIB do município, que foi de R$ 456 milhões em 2018, conforme o IBGE. A arrecadação total em 2020 foi de R$ 79,2 milhões, segundo o Tribunal de Contas do Estado (TCE).

Outro exemplo é Naque, município de 7 mil habitantes, na mesma região. Em 2020, a cidade obteve uma arrecadação de R$ 25,5 milhões, segundo dados TCE. E o valor pago aos 2,1 mil moradores da cidade pelo Sistema Indenizatório Simplificado até o momento chega a R$ 163 milhões. 

Bom Jesus do Galho, no colar metropolitano do Vale do Aço, é outro exemplo. A arrecadação da cidade, com população de 15 mil pessoas, somou em 2020, segundo o TCE, R$ 35 milhões. Em contrapartida, cerca de 960 moradores do distrito de Revés do Belém receberam aproximadamente R$ 91 milhões até o momento.

E o município de Periquito, com 6,7 mil habitantes, arrecadou R$ 30,5 milhões em 2020, segundo o TCE. A principal atividade econômica da cidade é a extração de madeira para alimentar a cadeia produtiva da celulose. Até agora, cerca de 1,6 mil moradores receberam R$ 155,8 milhões em pagamento de indenizações. Para efeito de comparação, o município gastou R$ 3,3 milhões em educação em 2020, segundo o TCE.

MAB contesta modelo de indenizações da Fundação Renova

Quem é contra o modelo afirma que a Fundação Renova está forçando os atingidos a aderirem ao sistema e que, embora tenha sido criado com o objetivo de atender situações em que a comprovação de danos é difícil, na prática, o novo sistema é apresentado como única solução diante dos desafios impostos não apenas pelo maior desastre ambiental do Brasil, mas também pelo cenário de crise desencadeado pela pandemia.

Além disso, argumenta-se que o sistema exige que o atingido dê quitação total para as empresas, abrindo mão de reclamar na justiça brasileira e no exterior qualquer outro direito – o que pode ser prejudicial no longo prazo.

Para o coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) Minas Gerais, Thiago Alves, o Sistema Indenizatório Simplificado proporcionou ganhos, principalmente no que se refere ao fato de que milhares de pessoas receberam financeiros no último ano e meio, o que de fato movimentou a economia de diversas regiões. No entanto, ele chama atenção para os pontos de preocupação, alegando que o dinheiro já pertencia aos atingidos e que o pagamento “nada mais é que a obrigação da empresa e da Justiça”.

“Nossa crítica ao sistema tem a ver com as repercussões jurídicas dos direitos dos atingidos e a forma como foi implementado, gerando uma série de consequências negativas para as pessoas. Não podemos fechar os olhos para os desdobramentos de longo prazo e muito menos aceitar que o formato se torne um modelo de reparação internacional“, argumenta.

Os pontos críticos, conforme Alves, incluem a assinatura de quitação por parte dos atingidos, a dispensa do recebimento do auxílio financeiro emergencial, a retirada do caráter coletivo das ações, entre outros.

“O juiz desconsiderou o processo de organização dos atingidos, retirou o carácter coletivo e introduziu advogados nos processos, o que também alterou o curso dos procedimentos, gerando um comércio, uma captação ilegal de clientes, cobranças abusivas, subornos, ameaças e a destinação de pelo menos 10% dos recursos para esses profissionais. A existência de um sítio eletrônico para que se acompanhasse todos os trâmites era mais um motivo para que não se obrigasse essa representação”, explica.

Outras ações

Vale lembrar que, em novembro de 2015, a barragem de Fundão, da Samarco, se rompeu, matando 19 pessoas e deixando outras milhares sem meio de sobrevivência, uma vez que a lama ainda contaminou o rio Doce até a foz, no Espírito Santo. Além do impasse nas indenizações de atingidos, o atraso na construção de casas dos distritos de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira e os problemas ambientais são algumas das questões que ainda esperam por solução.

Sobre as medidas de reparação que poderiam sanar estes problemas, a Fundação Renova limitou-se a responder, por nota, que reafirma seu compromisso com o trabalho de reparação dos danos provocados pelo rompimento da barragem de Fundão. E que cerca de R$ 17,40 bilhões foram desembolsados nas ações de reparação e compensação até outubro de 2021, tendo sido pagos R$ 7,02 bilhões em indenizações e auxílios financeiros emergenciais para cerca de 352 mil pessoas.

“As ações abrangem, ainda, as áreas de infraestrutura, saúde, retomada das atividades agrícolas, restauração das áreas degradadas, monitoramento da qualidade da água, da biodiversidade, recuperação de nascentes e apoio à retomada das atividades econômicas”, consta no documento enviado à reportagem.

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