Vale pretende descaracterizar cinco barragens até o fim do ano

1 de abril de 2022 às 0h30

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Barragem Sul Superior, da mina Gongo Soco (Vale) na cidade de Barão de Cocais | Crédito: Reprodução/Google Maps

O medo de ver se repetirem tragédias como as de Mariana e Brumadinho – que mataram 289 pessoas e causaram danos materiais e prejuízos ambientais que serão sentidos por décadas – permanecerá no dia a dia dos mineiros ao menos pelos próximos 13 anos.

Com o termo de compromisso assinado no final de fevereiro pelas mineradoras junto ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e o Governo do Estado, cada uma das 41 barragens construídas pelo método a montante em Minas Gerais que não atenderam ao prazo da Lei Estadual 23.291/19, conhecida como Lei Mar de Lama Nunca Mais, terá o próprio prazo para a descaracterização. A maior companhia com operações no Estado, a Vale, estima um prazo de até 2035 para eliminar 100% de suas estruturas nessas condições.

Conforme o MPE, tudo deverá ser feito por cada uma das mineradoras da forma mais rápida e com a técnica mais segura possível, com o monitoramento e a fiscalização intensificados. “O risco (de rompimento) vai existir até que a última barragem a montante seja descaracterizada”, diz o promotor de Justiça Carlos Eduardo Ferreira Pinto.

Enquanto essa etapa não é concluída, medidas em paralelo para garantir mais segurança nas operações vêm sendo tomadas pelo poder público, que afirma ter intensificado a fiscalização, e também pelas empresas, que precisam obedecer às novas legislações estadual e federal e aos padrões internacionais de produção.

Entre essas medidas, está o monitoramento constante das barragens, praticamente segundo a segundo, feito tanto pelas empresas quanto pelos órgãos públicos, que fizeram a população se acostumar a ouvir com frequência nos noticiários informações de alerta sobre estruturas que apresentam risco iminente de se romper, principalmente quando chove.

Ontem mesmo, em um dia seco e ensolarado em boa parte do Estado, pelo menos quatro barragens permaneciam classificadas no mais alto nível de emergência por aqui, o nível 3, conforme a Agência Nacional de Mineração (ANM).

Outras medidas por parte das empresas estão relacionadas à implantação de novas tecnologias que reduzem a necessidade do uso de barragens de linha de centro ou a jusante, estruturas permitidas, já que minerar sem barragens em Minas Gerais é impossível, segundo especialistas.

Nesse cenário, o tema segurança das barragens é novamente assunto do #JuntosPorMinas, projeto do DIÁRIO DO COMÉRCIO que aborda desafios e gargalos do Estado que possam ser transformados em oportunidades de aprendizado, crescimento econômico e inclusão social. Confira a seguir. 

Investimento em segurança garante atividade

Minerar totalmente sem barragem em Minas Gerais praticamente impossibilita a produção do Estado, segundo especialistas. Isso porque muitos tipos de minerais extraídos por aqui, como o cobre e ouro e o minério de ferro de baixo teor (predominante) exigem o uso de água no processo de concentração e, consequentemente, dos reservatórios de água e depósito de rejeitos. Dessa forma, dizem eles, essas estruturas são necessárias e precisam apresentar alto nível de segurança, seguindo a legislação e os padrões internacionais.

Hoje, pela legislação adotada no Estado após as tragédias de Mariana e Brumadinho – Lei Estadual 23.291/19, conhecida como Lei Mar de Lama Nunca Mais –, as barragens a montante, ou seja, aquelas construídas com várias camadas de rejeitos sobre rejeitos, como eram as que causaram as tragédias, são proibidas. As 41 que ainda existem em Minas, serão descaracterizadas.

Já as barragens por linha de centro e a jusante são os modelos permitidos. Mesmo nesses dois modelos, considerados mais seguros, o que define se uma barragem representa ou não risco é a forma como ela é construída, segundo o presidente da Associação dos Engenheiros de Minas do Estado de Minas Gerais (Assemg), João Augusto Hilário de Souza.

“Quando projetadas, construídas e monitoradas utilizando técnicas adequadas, conduzidas por profissionais habilitados e competentes (as barragens), implicam em risco administrável para seus proprietários, responsáveis e para a própria sociedade”, explicou.

Necessidade

O diretor de Sustentabilidade e Assuntos Regulatórios do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Júlio Nery, explicou que, no caso do minério de ferro – a principal commodity do Estado – só é possível minerar sem barragem, no processo a seco, quando o produto apresenta uma concentração acima de 62%, processo que tem sido viável predominantemente no Estado do Pará. “Você pode simplesmente fazer britagem e peneiramento e enviar o minério para o cliente, o chamado DSO (Direct Shipping Ore, ou minério para envio direto)”.

Mas no caso de Minas Gerais, onde a maior parte do ferro extraído é de baixo teor, o uso de água, ou seja, de barragens, para o processo de concentração é necessário.

Cobre e ouro também são elementos que exigem concentração. “No caso do ouro, por exemplo, são teores que variam de 0,5 até 8 ou 9 gramas por tonelada, ou seja, para cada tonelada de minério que você tira, você tá aproveitando de meia a nove gramas dele, o que é muito pouco em relação à massa total. O volume que fica como rejeito é mais alto. E para esses minérios, você precisa fazer uma concentração. E para fazer essa concentração, você vai necessitar de água e de barragens”, explicou.

Mecanismos

Já que ainda não é possível ter atividade mineral zero barragens por aqui, o caminho é garantir a segurança, o que vem sendo intensificado pelas novas leis.

“Hoje temos uma legislação bem evoluída que incorpora o que há de mais seguro no mundo inteiro, inclusive com avanços técnicos para estruturar uma barragem, com exigência de instrumentação automatizada, com informações encaminhadas à fiscalização. Isso permite prevenção e respostas rápidas. É importante lembrar que temos autorregulamentações e os padrões internacionais, que também são importantes para se garantir a segurança das barragens”, disse Nery.

Ainda segundo o diretor do Ibram, tais padrões internacionais consideram, por exemplo, um cenário climático para um período de 10 mil anos. “Antes era considerado um cenário de 500 anos”. Nery também destaca a implantação do processo de filtragem e empilhamento a seco que, segundo ele, é uma tendência no setor.

“Nós, do Ibram, temos de nos esforçar para eliminar esse tipo de temor da sociedade (do rompimento de barragens). São acidentes que ocorreram e nós temos que aprender com eles para que não se repitam. Esse é o fator principal para as empresas”, completou o diretor.

Vale planeja descaracterizar mais 5 unidades até dezembro

A mineradora Vale possuía em 2019, quando houve a tragédia de Brumadinho, 30 barragens construídas a montante no Brasil. Hoje, são 23 (todas em Minas), pois sete foram descaracterizadas no período de três anos. Para o fim deste ano, mais cinco barragens devem ser eliminadas no Estado, totalizando 12 das 30 mapeadas pela companhia no País. No entanto, 100% de descaracterização das barragens por aqui somente será possível no ano de 2035, segundo informou a própria mineradora.

Assim como outras companhias, a Vale não cumpriu o prazo estipulado pela Lei Estadual 23.291, conhecida como Lei Mar de Lama Nunca Mais. Por isso, em fevereiro, firmou um Termo de Compromisso com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), com a interveniência da Agência Nacional de Mineração (ANM), definindo novas regras e prazos para a descaracterização de estruturas a montante.

Na ocasião, o compromisso firmado foi em relação às barragens: Forquilha I, Forquilha II, Forquilha III, Grupo, Área IX, Baixo João Pereira, Dique Auxiliar (5 MAC), Campo Grande, Dique 1A (Conceição), Dique 1B (Conceição), Ipoema, Dique 2 (Pontal), Dique 3 (Pontal), Dique 4 (Pontal), Cordão Nova Vista (Pontal), Minervino (Pontal), Vargem Grande, B3/B4, Xingu, Doutor e Sul Superior.

Também houve estipulação de indenização, a título de dano moral coletivo, no valor de R$ 236,7 milhões. Tais valores serão destinados a projetos em prol da segurança de barragens em Minas Gerais e à preservação ambiental.

Em resposta por e-mail à reportagem, a companhia informou que as estruturas com previsão de conclusão de obras neste ano são os diques 3 e 4 da barragem Pontal e barragem Ipoema, em Itabira, a Barragem Baixo João Pereira, em Congonhas, e o Dique Auxiliar da Barragem 5, em Nova Lima.

Ainda de acordo com a Vale, 90% de suas barragens a montante serão eliminadas até 2029, mas 100% somente até 2035. As estruturas cujos prazos para término da descaracterização são mais extensos, segundo a empresa, referem-se àquelas de maior risco, mais complexas e que envolvem um volume de rejeitos maior.

Alternativas

A Vale informou ainda que investe em alternativas para reduzir significativamente o uso de barragens. Atualmente, 70% da produção no Brasil é feita a seco, ou seja, sem água. No Pará, onde o minério de ferro é de mais alto teor, cerca de 80% da produção já ocorre dessa forma. Em Minas Gerais, o processamento a seco é feito em 32% das operações, entre elas, Brucutu, Alegria, Fábrica Nova, Fazendão, Abóboras, Mutuca e Pico.

Outra tecnologia que está sendo implantada pela companhia para reduzir o uso de água é a FDMS (Fines Dry Magnetic Separation), concentração magnética de minérios de baixo teor de ferro, que também não utiliza água e, portanto, também não requer a construção de barragens.

Desenvolvida no Brasil pela New Steel, empresa comprada pela Vale em 2018, essa tecnologia já está sendo utilizada em uma planta-piloto em Minas Gerais. Em 2023, será inaugurada a primeira planta comercial, no Complexo Vargem Grande, com capacidade de produção de 1,5 milhão de toneladas por ano.

Em relação à tecnologia de filtragem de rejeitos e empilhamento a seco, a Vale inaugurou uma planta com essa tecnologia em Vargem Grande (Nova Lima), em março de 2021, e outras duas em Itabira em janeiro deste ano. Uma quarta planta em Brucutu deve começar a operar no segundo trimestre. A Vale investiu US$ 1,2 bilhão nas plantas de filtragem até o fim de 2021. A empresa irá investir mais US$ 1,3 bilhão na tecnologia de 2022 a 2025.

Novo site do MP atualizará população

No prazo máximo de um mês, o Ministério Público de Minas Gerais lançará um site, com informações atualizadas sobre o andamento dos processos de descaracterização de barragens a montante em Minas Gerais. “Os cidadãos terão acesso em tempo real a informações sobre tudo o que está sendo feito pelas mineradoras nesse sentido”, informou o promotor de Justiça Carlos Eduardo Ferreira Pinto, coordenador do Centro de Apoio Operacional da Promotoria de Defesa do Meio Ambiente.

Ferreira Pinto informou que a divulgação vem em linha com o Termo de Compromisso (TC), assinado no final de fevereiro pelas mineradoras, para que as empresas responsáveis pelas barragens a montante no Estado cumpram a descaracterização de 41 barragens de mineração que não atenderam ao prazo anteriormente definido pela Lei Estadual 23.291, conhecida como Lei Mar de Lama Nunca Mais. “As ‘bombas-relógio’ estão sendo pouco a pouco desativadas. O site ajudará a ter um controle social das estruturas e dos prazos estabelecidos”.

O TC assinado prevê indenizações a serem pagas pelas mineradoras, a título de dano moral coletivo, no valor total de R$ 60 milhões e estabelece novos prazos para a conclusão da descaracterização, sob pena de sanções, como multa diária, além da fixação de medidas mínimas e adicionais de segurança e publicidade no processo. Em caso de descumprimento injustificado, as empresas estarão sujeitas a multas diárias no valor de R$ 100 mil por cada infração, acrescidos de juros de 1% ao mês.

“O Ministério Público propôs uma alternativa de adequação à lei, no sentido de individualizar cada empreendimento e promover um sistema que seja seguro para a sociedade, de modo a cobrar que os processos de descaracterização tenham a garantia de que se darão no menor tempo possível tecnicamente e com a melhor tecnologia existente. Com isso, nós teremos, por parte dos poderes públicos, um acompanhamento rigoroso de todos os processos, trazendo para a sociedade mineira a segurança de que outros desastres não mais acontecerão”, informou o promotor.
O Termo de Compromisso foi formulado após reuniões entre o Estado, MPMG, União e as empresas mineradoras, que argumentaram que o processo de descaracterização de muitas barragens, por questões técnicas e de segurança, exigia um prazo maior. Ainda de acordo com o promotor, o site para que os cidadãos acompanhem todos os processos estará no ar entre o final de abril e início de maio.

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