Não é preciso cruzar o Atlântico para encontrar traços da França em solo brasileiro. A apenas quatro horas de Fortaleza, o município de Icó carrega o título simbólico de “Paris do Sertão”, apelido que ganhou ainda no século XIX e que agora volta ao centro das atenções com o lançamento do documentário Icó, a Paris do Sertão.
Dirigido por Roberto Bomfim e Eduardo Barros, o filme é parte do projeto “Ceará Francês” e revela como a cidade interiorana preserva até hoje costumes, arquitetura e tradições herdadas diretamente da cultura francesa. O trabalho é resultado de mais de uma década de pesquisa, e surpreende ao mostrar o quanto a identidade icoense foi moldada por esse intercâmbio cultural inusitado.
Icó, a Paris do Sertão é mais do que um documentário histórico — é um tributo ao senso de pertencimento de seus moradores e à riqueza cultural do Ceará. A produção resgata um capítulo muitas vezes esquecido da história brasileira, mostrando que mesmo no sertão, longe dos centros urbanos, há heranças que conectam o Brasil ao restante do mundo de formas surpreendentes.
História, arquitetura e raízes francesas
Fundada há 342 anos, Icó é mais antiga que Fortaleza e surgiu às margens do rio Salgado, inicialmente como uma tribo da nação Kariri. A cidade prosperou com a chegada das famílias Fonseca e Monte e, graças à localização estratégica entre duas importantes estradas gerais, tornou-se centro comercial e político do Ceará. Em 1823, Icó chegou a ser capital da província por alguns meses.
A influência francesa começou a ganhar força a partir de viagens de jovens fazendeiros à Europa. De volta ao Brasil, trouxeram novas ideias, modas e referências arquitetônicas. Um dos marcos desse período é o Teatro da Ribeira dos Icós, o primeiro teatro do Ceará, com forte inspiração nos modelos franceses da época.

O documentário também destaca a atuação de Pedro Théberge, médico e historiador francês que teve papel fundamental no desenvolvimento cultural da cidade. Sua presença consolidou ainda mais os laços entre Icó e a tradição francesa, ajudando a transformá-la num polo de efervescência intelectual e artística no século XIX.
Fortaleza também viveu sua Belle Époque
A influência francesa não se restringiu ao interior. Em Fortaleza, durante o início do século XX, a elite local buscava replicar a atmosfera parisiense. Cafés com nomes como Riche e lojas batizadas de Maison Art-Nouveau ou Torre Eiffel marcaram uma fase de intensa modernização na capital. O Theatro José de Alencar, o Passeio Público e o antigo Mercado do Ferro (atualmente Mercado dos Pinhões) são alguns exemplos da arquitetura e estilo de vida que ecoavam o charme europeu.

Na época, o uso de echarpes mesmo sob o sol forte e a exigência de trajes formais para andar de bonde mostravam o quanto o estilo francês ditava as normas sociais. A cidade, então provinciana, ganhava novos contornos com bulevares, casarões e hábitos cosmopolitas. A obra convida o público a redescobrir Icó, não apenas como um destino turístico, mas como um tesouro de valor histórico e simbólico.