Com mais de 30 milhões de descendentes de italianos, o Brasil abriga uma das maiores comunidades de oriundi fora da Itália. No entanto, uma nova proposta legislativa em trâmite no Parlamento italiano pode colocar fim ao acesso de milhões de brasileiros à cidadania italiana por direito de sangue, o chamado iure sanguinis.
O Decreto-Lei 36/2025, conhecido como Lei Tajani, propõe mudanças profundas na atual legislação. A mais significativa é a restrição da cidadania apenas a filhos e netos de italianos, excluindo bisnetos, trinetos e gerações seguintes. Se aprovada, a regra mudaria drasticamente o cenário atual, no qual qualquer descendente, independentemente da geração, pode solicitar a cidadania — desde que comprove a linhagem por meio de documentos.
Expressão polêmica pode excluir maioria dos brasileiros descendentes
Além da limitação geracional, um ponto polêmico do texto preocupa ainda mais. A emenda 1.8, já incorporada ao projeto, determina que o ascendente italiano deve ter possuído exclusivamente a cidadania italiana, ou seja, não poderia ter se naturalizado brasileiro ou argentino, por exemplo. Essa exigência, se mantida, inviabiliza o reconhecimento da cidadania para a imensa maioria dos brasileiros descendentes, cujos antepassados se naturalizaram nos países de acolhida.
A cláusula gerou reação intensa entre líderes da diáspora italiana. O ex-deputado ítalo-brasileiro Luís Roberto Lorenzato classificou a inclusão do termo “exclusivamente” como um erro legislativo grave, que contraria os interesses dos descendentes fora da Itália. Ele tem articulado mudanças com senadores italianos para reverter a exigência antes da votação final.
Jurisprudência e especialistas apontam inconstitucionalidade
Apesar do avanço do projeto, juristas apontam que as medidas propostas podem ser inconstitucionais, por violarem a jurisprudência vigente que reconhece o direito dos descendentes desde o nascimento. A nova regra também impede a transmissão da cidadania a futuras gerações, caso o reconhecimento seja concedido sob a nova lei.
Segundo o advogado Vagner Cardoso, especialista em processos de cidadania, mesmo que a lei seja aprovada, os tribunais ainda poderão reconhecer o direito dos descendentes por meio de ações judiciais. Porém, ele alerta:
“O ideal é iniciar o processo agora, antes que o sistema fique ainda mais sobrecarregado”.
Vagner Cardoso
O que muda na prática com a nova lei
Além da restrição por grau de parentesco e exclusividade de cidadania, o texto prevê:
- Maior rigor na análise dos documentos apresentados;
- Fim dos processos via consulado — a análise será centralizada em um novo escritório, ainda não criado;
- Em fase futura, cidadãos reconhecidos terão que cumprir deveres cívicos para manter o status ao longo de 25 anos (sem detalhes de como isso será feito).
No entanto, os documentos exigidos seguem os mesmos: certidões de nascimento, casamento ou óbito dos ascendentes, devidamente traduzidas, apostiladas e com comprovação de vínculo direto. Casos com inconsistências nos registros ainda poderão ser resolvidos com retificações judiciais, mas isso aumenta o tempo e o custo do processo.