Opinião

Seria os hermanos mais patriotas que nós?

Luciano Carneiro Tavares*

Os protestos ocorridos no Brasil em 2013, inicialmente em contestação ao aumento das tarifas no transporte público e em seguida estendendo-se para a violência policial, gastos públicos e indignação com a corrupção política, ganhou destaque na mídia internacional naquela época. Os jornais argentinos destacaram uma certa surpresa com este tipo de coisas no Brasil, já que aqui o povo é muito pacífico, ordeiro e aparentemente desinteressado com tudo de errado que ocorre com a coisa pública.

Do outro lado da moeda, quantas vezes já foi noticiado no Brasil que o argentino herdou o “sangue quente espanhol”, saindo às ruas com muito barulho e estardalhaço toda vez que ocorre algum movimento do governo que consideram descabidos? Haja vista os vários “panelaços” ocorridos por lá ao longo do tempo. Seria o argentino mais “esquentado” ou mais patriota que o brasileiro? Vamos tentar entender.

Existe entre nós e eles uma certa admiração mútua, velada, com relação ao povo, seus costumes, culinária, pontos turísticos, tradições, etc. Talvez até para o futebol, quem sabe! A impressão que se tem é que, apesar de algumas rixas antigas já superadas, os hermanos são os vizinhos que mais admiramos e também torcemos o nariz.

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Para melhor compreensão entre nossas semelhanças e diferenças, vamos voltar no tempo, à época da independência de ambos os países.

A declaração de independência da Argentina ocorreu em 1816, após a consolidação de um movimento cívico iniciado em 1810 com a Revolução de Maio, explicado pelo criador da Logosofia, o filósofo e humanista argentino Carlos Bernardo González Pecotche, em seu livro Nova Concepção Política: “Os povos do Prata da época difundiram os conhecimentos filosóficos, políticos, econômicos vindos da Europa (Iluminismo), e que moldaram a Argentinidade: superação dos conteúdos recebidos para moldá-los em formas nacionais.

Superação do sistema despótico espanhol pela instauração de uma democracia liberal e progressista. Superação das práticas administrativas coloniais, descarriladas pela venalidade e pela licenciosidade, substituindo-as por um regime funcional de responsabilidade efetiva e disciplina social. Superação da organização econômica, introduzindo os fecundos princípios da liberdade de produção, circulação e consumo, regulados por princípios jurídicos protetores do interesse público e privado. Superação do critério étnico ou racial, defendendo a condição humana de índios e mestiços. Superação religiosa, opondo à intolerância da Idade Média, a religião e a Igreja, livre e voluntariamente consentidas. Superação educacional, iniciando uma tenaz campanha pela ilustração das massas incultas. Superação democrática, opondo ao conceito da democracia populista o da democracia civil, disciplinada e responsável”.

Do lado de cá, a melhor tentativa de introdução de princípios semelhantes ocorreu em 1789, num movimento de intelectuais e pessoas notáveis da época, com a Inconfidência Mineira, cujo desfecho todos nós sabemos de cor e salteado. Conseguimos nossa independência em 1822 por intermédio de um representante da corte portuguesa que não queria mais interferências externas no seu governo. Não havia qualquer movimento social ou planejamento para isso, ao que parece. Assim, o sentido da brasilidade entre nós ficou muito aquém do sentido de argentinidade entre eles.

Os hermanos também tiveram lá o período de desagregação e organização nacional originando a Revolução de 1890 para vencer a corrupção e as antíteses democráticas daquele período. Nas décadas posteriores, favorecidos por uma reforma no ensino, houve um grande desenvolvimento econômico e de prosperidade. Aqui, em terras tupiniquins, na mesma época, o fim da escravatura, apesar de ter sido um grande avanço social, trouxe problemas enormes no abastecimento de mão de obra para os engenhos e fazendas, resolvidos com a chegada de imigrantes de várias etnias, especialmente a italiana. Houve também a Proclamação da República em 1889 que enfrentou, e enfrenta até hoje, vários problemas como sabemos. Pelo que se ensina da história brasileira, apesar de ter havido alguns estadistas notáveis como Rui Barbosa, Barão do Rio Branco, Juscelino Kubitschek, etc., o bonde da história foi perdido no final do século XIX quando deixamos de fazer as reformas do ensino tais como fizeram os Estados Unidos da América e a Argentina.

Lá, com os vizinhos, parece que após a ditadura de Perón, encerrou-se a fase de bonança. Aqui, de Getúlio Vargas em diante, tivemos avanços e retrocessos e para nossa infelicidade, a infiltração comunista combatida com as armas pela Revolução de 1964, progrediu no meio intelectual e artístico trazendo como consequência o fortalecimento do pensamento esquerdista-comunista da cartilha de Antonio Gramsci. Originou-se em meados dos anos 1980 o Partido dos Trabalhadores e com ele a liderança de Lula, a meu ver, a metástase social. Hoje, apesar da instabilidade política decorrente de treze anos do governo corrupto do PT, demais partidos satélites e empresas envolvidas que pouco se importavam com o futuro da democracia, das liberdades individuais e progresso da nação, dá para perceber no mundo mental que nos rodeia, um grande anelo de termos governantes estadistas com valores superiores, liberdade para as pessoas, progresso honesto e duradouro para a nação.

Vivemos um momento em que os seres precisam pensar conscientemente como ensina a Logosofia e assumir suas responsabilidades de luta pacífica em favor de uma democracia civilizada, disciplinada e responsável. A liberdade individual é consequência da liberdade da sociedade e vice-versa. Percebe-se uma necessidade imperiosa do momento atual, de mudarmos nossos paradigmas e lutarmos com inteligência e consciência, para a continuação serena, firme e forte rumo a uma sociedade livre, democrática e progressista. Se todos pensarmos que são os outros que vão resolver os problemas da nação (e do mundo), correremos o risco de retornar a um período semelhante ao das trevas da Idade Média, quiçá, ao da Idade da Pedra.

* Sócio-presidente da empresa Tavec Engenharia Ltda.

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