Direitos iguais
Cesar Vanucci*
“Todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais do que os outros”.
(George Orwell)
Não importa a constatação histórica da irremediável falência da incendiária tese, por tanto tempo apontada, na paixão fanática de adeptos das teorias bolcheviques, como ferramenta de transformação social. Ainda hoje, dá pra identificar alguns redutos refratários aos avanços civilizatórios que regem os procedimentos pela regra do “quanto pior, melhor”. Apegam-se, viscosamente, em desalinhadas posturas éticas, ao seguinte e destrambelhado raciocínio: se é possível complicar, pra que tornar as coisas simples? Quanto maior a confusão estabelecida, mais propícia passa a ser a sinalização para o trabalho pertinaz e corrosivo dos chamados “pescadores de águas turvas”.
Tomemos para reflexão, a propósito, o candente debate, carregado de dissonâncias equivocadas, em torno da reforma previdenciária. O mais adequado é reconhecer – abra-se aqui um parêntese – que não se trata de um único sistema previdenciário, mas de um conjunto apreciável de sistemas previdenciários bancados pelo Estado brasileiro. Pois bem, consulte-se qualquer vivente, razoavelmente escolarizado, desta imensidão territorial demarcada pelos pontos extremos do monte Caburai, ao norte, do Arroio Chuí, ao sul, do rio Moa, a oeste e da Ponta do Seixas, a leste. O provável é que esse cidadão concorde, sem vacilações, que a melhor fórmula, a única verdadeiramente adequada do ponto de vista constitucional, num processo sério em que se pretenda colocar a Previdência brasileira nos trinques, em suas diversificadas vertentes, é a da aceitação de um esquema de benefícios basilares idênticos para todos.
O conteúdo continua após o "Você pode gostar".
Sem essa de concessões ou vantagens especiais, de privilégios e benesses inaceitáveis instituídos em função da atividade exercida, da condição social do beneficiário, de diversificadas conveniências políticas, econômicas ou profissionais. A base igualitária que corresponda ao benefício garantido pelo Estado, num sistema previdenciário ideal, poderá vir, sim, a receber, nalgum instante, afluxo financeiro adicional, ao inteiro gosto das partes, em razão de eventuais planos previdenciários complementares oferecidos no mercado em regime de competição empresarial. Fique claro, todavia, que tudo isso só merece prosperar depois de amplos debates e estudos. Estudos que se estendam pelo tempo necessário, de maneira a envolver na decisão final todos os segmentos interessados. Estudos, em assim sendo, que só desaguem em ações práticas após o amadurecimento de proposta derivada de razoável consenso comunitário.
A transparência solar nas discussões é imprescindível para que tudo deflua satisfatoriamente e seja devidamente assimilado pelas mentes e corações. A existência de sistemas previdenciários diferenciados, todos bancados pelo Estado, estabelecidos por força de poderosas conveniências corporativistas, como ocorre na atualidade, coloca-se em escancarada desarmonia com a autenticidade democrática.
Está certo. O que ficou para trás e representa direito adquirido, desde que legítimo, sem contrafações, não carece ser mexido. Mas, daqui pra frente, tenham a santa paciência os lobistas de todos os matizes e categorias, o que a Nação ansiosamente espera mesmo é um esforço bem concatenado, refletido, bem intencionado, na busca da “solucionática apropriada” para a “problemática gerada”. O empenho de todos os setores sinceramente engajados na relevante tarefa da reformulação previdenciária precisa se concentrar na universalização do benefício oficialmente concedido. O conceito filosófico a prevalecer é o da igualdade de direitos. Nada, portanto, de se agarrar, impertinente e impatrioticamente, à defesa de aposentadorias especiais no tempo e no rendimento. Nada de penduricalhos risíveis e insultantes, de “auxílio moradia” pra quem tem casa para morar, de “auxílio mudança” para quem não esteja mudando pra lugar algum. É por aí que se estende – como sabido até dos aborígenes remanescentes das tribos a serem ainda contatadas, no colossal território amazônico, pelos sertanistas da Funai – o maroto desfile de absurdidades repudiado pela consciência das ruas, a ser o quanto antes freado.
Por recomendação do bom senso e por exigência da democracia e do sentimento republicano, há que se cuidar, pura e simplesmente, sem tergiversações, sem interpretações difusas e confusas, da aplicação do princípio da igualdade de direitos para todos. A Constituição define que todos são iguais perante a lei. Tal principio é afrontado quando são inventadas normas, teses novidadeiras, que tornam alguns mais iguais que outros.
- Jornalista ([email protected])
Ouça a rádio de Minas