EDITORIAL | Vizinhos incômodos

Estimativas da Receita Federal apontam que pelo menos 48% dos cigarros consumidos no Brasil são contrabandeados e vendidos ilegalmente, o que representa um prejuízo direto, de ordem tributária, já superior a R$ 100 bilhões ao ano.
Os números são conhecidos assim como o modus operandi dessa indústria bilionária que atua a partir do Paraguai sem que o governo local tome qualquer atitude para coibir os abusos verificados.
Pior, sem que também o governo brasileiro não vá além de eventuais operações policiais, fechando os olhos às irregularidades que deveriam estar sendo tratadas em outras esferas, políticas e diplomáticas, e naturalmente considerando mais amplamente que o vizinho país transformou o contrabando para o Brasil – de drogas a eletrônicos, passando por quinquilharias chinesas – em sua principal atividade econômica.
Na realidade, tudo isso sugere algum tipo de conluio, de associação para o crime.
Estudos recentes, da Organização Mundial de Saúde, colocam o Brasil entre os países que tiveram os melhores resultados em programas destinados à redução do tabagismo. Segundo estes estudos, houve queda de 40% no hábito de fumar nos últimos dez anos.
Fato a comemorar, porém com a ressalva de que entre jovens o mau hábito continua presente e em crescimento, enquanto os próprios dados levantados pela OMS podem ser em termos questionados, uma vez que não há como medir o destino dos cigarros contrabandeados, que não são mais finos – supostamente – que produtos de origem norte-americana ou europeia, e sim lixo produzido sem qualquer cuidado ou controle, representando dessa forma riscos ainda maiores para os consumidores.
Alarmados com os dados da Receita e da Polícia Federal, talvez assustados com o desembaraço dos contrabandistas, de um e de outro lado da fronteira, o novo governo brasileiro anuncia disposição de reagir. E a forma escolhida, ou em estudos, é bastante curiosa.
Trata-se de reduzir a tributação dos cigarros produzidos e comercializados regularmente no País, tornando assim, por suposto, mais equilibrada a concorrência com o contrabando.
No Paraguai, onde a rigor não existe qualquer controle, os cigarros são taxados em 16%, enquanto no Brasil a tributação chega perto dos 80%. Se a ideia prosperar, o que parece improvável, continuará sendo uma concorrência bastante difícil, cujos custos e prejuízos, nunca será demais lembrar, não podem deixar de incluir a saúde pública, que paga pelo tratamento das vítimas dos cigarros, além dos danos colaterais representados por mortes prematuras, perdas no trabalho, etc.
Eis o tamanho do problema que para ser abordado com alguma chance de sucesso, deveria começar com um aperto, bastante duro, no Paraguai.
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