Opinião

O Corvo (XXI)

O Corvo (XXI)
Crédito: Divulgação

MARCO GUIMARÃES * 

No RER, enquanto voltava da Gare du Nord para o distrito policial, Natalie reviu as anotações que fizera quando conversou com a nova companheira de Noah.

O fato da nova parceira de sua ex-namorada ter feito o último contato com ela quando estava na Rue Pascal a intrigava. Por coincidência, todos os outros desaparecidos estavam na mesma área quando sumiram do mapa sem deixar vestígios.

— Bem, pode ser coincidência, mas meu instinto me diz que há qualquer coisa por ali, pensou.

Tão logo chegou ao distrito, foi a sua sala e, como sempre fazia quando necessitava de algo, fez um sinal para o policial que a secretariava.

— Bom-dia, Pierre. Quero uma averiguação sobre o paradeiro de uma tal de Arsinoe Eishban. Supostamente ela desapareceu no mesmo local onde sumiram a menina Aline, sua sequestradora e o capitão Maurel.
— Requisito também as imagens da câmera do hotel?
— Faça isso. E por falar em imagens, o laboratório já nos enviou os resultados das análises que pedi?
— Não, ficaram de nos enviar hoje.
— Pois ligue para eles e diga que preciso dessa análise ainda hoje, sem falta. Tenho urgência em ver se descobriram algo mais.
— Farei isso, tenente. Mais alguma coisa?
— Não, no momento é só, obrigada. Ah, não, espere, espere. Tente achar a Virgínia, esposa do capitão Maurel. Preciso falar com ela.

Tudo que tinha em relação ao caso do sequestro, além das imagens, eram os dois componentes do bando, já presos. Sua experiência dizia-lhe que os dois falaram a verdade quando disseram que ficaram à espera das duas no Boulevard Port Royal e, como elas não apareceram, resolveram voltar para Fixin. — Pode ser que a resposta para isso tudo esteja na Rue Pascal — pensou ela.

Em seguida, foi a um dos computadores que ficavam na sala de reuniões do distrito e abriu o arquivo com as imagens do desaparecimento das duas. Podia ser que algo ali tivesse escapado aos olhos dos que, em um primeiro momento, analisaram a fita. Seu olhar na tela, meio perdido, ainda não poderia, naquele momento, registrar as imagens que deveriam ser processadas e interpretadas em seu cérebro, pois ela começou a divagar. Imaginou, então, como a polícia teria seu trabalho facilitado se as ruas fossem monitoradas por câmeras.

— Por que diabos a prefeitura ainda não pensou na ideia de monitorar as ruas com câmeras? É, mas aí logo apareceria gente falando: e a privacidade das pessoas? Onde fica, hein? Com certeza lembrarão do Grande Irmão, criado por George Orwell, no livro 1984.

— Súbito, deu-se conta de que deveria interromper seus pensamentos e começar a prestar atenção nas imagens.

Nada além do que já havia sido relatado, exceto grandes clarões na rua, resultantes dos raios que caíam naquela hora. Os relâmpagos chamaram-lhe a atenção porque, coincidentemente, apareciam em todas as situações, e, àquela altura, com a falta de dados e evidências que pudessem levá-la a solucionar os desaparecimentos, qualquer fato poderia ser importante. Voltou, então, a sua sala, abriu a gaveta da escrivaninha, pegou ali um giz, dirigiu-se ao quadro negro fixado à parede atrás de sua poltrona e escreveu a palavra relâmpago, abrindo um parêntesis onde se lia: investigar o tempo.

O policial a quem pedira que agilizasse a entrega das análises das imagens voltou à sala para dizer que o resultado estava disponível em arquivo ftp, e que ela poderia ver na intranet da polícia. Segundo ele, o pessoal do laboratório disponibilizou o filme com alguns comentários, mas disseram que não haviam encontrado nada de especial.

— E com relação aos relâmpagos, não falaram nada?
— Para mim não, senhora.
— Bem, terei que ir ao computador lá fora para ver os arquivos, o meu está com problemas.
— Telefonarei para a manutenção e pedirei que troquem o seu computador. Eles são rápidos, mas você poderia trazer o computador do capitão Maurel para cá, enquanto não fazem a troca.
— Ah, é verdade, tenho a senha dele, isso irá me poupar esse entra e sai da minha sala.
Alguns minutos depois, o policial entra na sala da tenente e instala o computador de Maurel.
— Obrigada, fez um bom trabalho, se precisar de algo mais lhe aviso — disse ela, despedindo-se do policial e deixando claro que desejava ficar só.

*Escritor. Autor dos livros “Fantasmas de um escritor em Paris”, “Meu pseudônimo e eu”, “O estranho espelho do Quartier Latin”, “A bicha e a fila”, “O corvo”, “O portal” e “A escolha”

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