Opinião

EDITORIAL | Abuso além dos limites

No Rio de Janeiro, uma funcionária mediana da Assembleia Legislativa local, talvez apenas por coincidência esposa de um conselheiro do Tribunal de Contas, afastado e sob investigação, se aposentou. A funcionária recebia, na ativa, entre salário e vantagens, pouco mais de R$ 21 mil, o que para os padrões brasileiros a coloca no topo da pirâmide de renda. Aposentada, e ao contrário da situação mais comum, vai melhorar de vida ainda mais, acumulando uma renda que chegará aos R$ 35 mil. O Rio de Janeiro está tecnicamente falido, seus dois últimos governadores estão presos e serviços essenciais comprometidos. Nada muito diferente, apenas pela escala, do que ocorre no restante do País, demandando ajustes, mudanças, que não chegam com a velocidade necessária e, nas palavras do ministro da Economia, nos deixam à beira do abismo.

A reforma da Previdência, que não salva o País mas pode ajudar muito, não anda porque não interessa ao grupo que, no dizer de um estudioso, sequestrou o Estado, ou sua renda, em proveito próprio, situação bem ilustrada pelo caso da funcionária aposentada no Rio de Janeiro e que se repete aos milhares, centenas de milhares, fazendo de Brasília, para chegar a outro ponto da história, à condição de cidade brasileira com maior renda per capita. Para barrar as mudanças, ou pelo menos retirar-lhes justamente seu conteúdo mais relevante, as corporações que mais se beneficiam da situação atual se movimentam. No geral, e com um cinismo que chega a assustar, se comportando como se defendessem os pobres, sugerindo, ou afirmando, que serão eles os mais sacrificados. Seria mais honesto se dissessem que continuarão sacrificados, continuarão miseráveis, destino bem diferente daquela funcionária da Assembleia do Rio de Janeiro, personagem principal do comentário de hoje.

Enquanto isso, enquanto esperamos, fingimos que não estamos vendo, o tempo passa e a situação piora, com o próprio presidente da República declarando que não aguentaremos por muito tempo mais, que o funcionalismo, ativo ou não, demandará mais que a totalidade da renda nacional. E não que o dinheiro esteja indo para aquele senhor de 70 anos, que trabalha na enxada e não consegue se aposentar, conforme apregoa, no limite da responsabilidade, propaganda fartamente vinculada justamente por uma das entidades que abriga funcionários públicos, todas surpreendentemente sensibilizadas com a situação, deveras lastimável, dos mais pobres. E na mesma toada dos políticos, que sugerem não querer se comprometer com uma situação que seria antipática ao olhar dos eleitores, mas que na verdade são eles próprios, como regra, padrinhos da feliz aposentada carioca, no ócio e com uma renda bem próxima do teto dos funcionários públicos

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