Opinião

Será que o Brasil mudou?

Será que o Brasil mudou?
Crédito: Gustavo

Uranio Bonoldi *

Em seu discurso na Câmara dos Deputados, Maia tocou num ponto crucial, quase não acreditei no que estava ouvindo. Em suas palavras: “Tem alguma coisa errada com os gastos públicos”. Finalmente uma liderança importante deste País tocou nesta ferida e não parou por aí. Falou sobre a estabilidade do serviço público (declara-se 100% a favor da quebra da estabilidade no emprego para o funcionalismo público) e dos salários descabidos para quem tem esse privilégio, a tal estabilidade!

Rodrigo Maia citou artigo do Valor Econômico em que Paulo Tafner e Armínio Fraga comparam os gastos dos servidores e Previdência do Brasil com outros países em desenvolvimento e desenvolvidos. Enquanto o Brasil gasta 80% do que arrecada com a folha de salários e previdência, o gasto médio dos demais países levantados fica entre 50% e 60%. No mesmo artigo citado por Maia, levantou-se a questão da reforma da gestão pública e ele endossou essa discussão, questionando a qualidade da administração pública no que diz respeito aos Recursos Humanos.

Está cada vez mais claro que não há qualquer espaço para gestão de pessoas, pois em suas palavras, com o plano de cargos e salários do Poder Judiciário de 2005, que contaminou os demais poderes, “acabaram-se as carreiras” e, sendo assim, o funcionário entra para o serviço público ganhando quase o teto do serviço público. Esta prática é exemplo de uma grande distorção, legislar em benefício de grupos e não da Nação, trouxe enorme desigualdade social.

Ouvi quase incrédulo, as palavras do presidente da Câmara, um líder político: “Os nossos salários no setor público são 67% maiores do que seu equivalente no setor privado (citou o levantamento do Banco Mundial de 2017) e, com estabilidade e com pouca produtividade. E é isso que a gente precisa combater”.

Se nosso País deseja crescer, se modernizar e ter moral para todas as reformas necessárias, grande passo será eliminar a estabilidade no setor público, afinal, pessoas mal avaliadas, em requisitos necessários (técnicos e comportamentais) à sua função, têm que poder ser demitidas. Sim, ou não? Não existe qualquer possibilidade de gestão eficiente, com ganhos de produtividade, com a estabilidade transformando pessoas diferentes em iguais de forma artificial e perversa para quem deseja, de fato, servir. Sim, ou não?

Representantes do funcionalismo público se defendem dizendo que se não existir a estabilidade, a cada troca de governo, eles podem perder suas posições. Ora, essa justificativa é a mais contundente prova de que as posições ocupadas pelo funcionalismo deixaram de ser técnicas e a serviço do contribuinte e passaram a ser posições meramente políticas, a serviço de quem se encastela no “poder”. Sim, ou não? Por fim, que serviço o contribuinte espera receber numa situação dessas? Isso precisa acabar se o Estado quiser ser produtivo, eficiente, técnico e desejar, de fato, trabalhar pelo contribuinte, pela Nação e de forma absolutamente isenta, sem polarizações, ideologias e sustentável.

Após esse discurso com tom de reformas, tão necessárias para o País, que me deixou tão esperançoso, vejo a notícia de que o Congresso deseja aumentar o financiamento público para as campanhas eleitorais de R$ 1,7 bilhão para R$ 3,7 bilhões (Estadão de 11/07/2019). A manchete escancarou que o mesmo Rodrigo Maia, este senhor que citei acima, que estava na tribuna defendendo as reformas, endossa este aumento de dois bilhões. Isso mesmo: endossa o parecer do deputado Cacá Leão (PP-BA) que aumenta em dois bilhões de reais os recursos para financiamento de campanha para 2020, como se não fossem suficientes os R$ 1,7 bilhão que nossos políticos já usam às custas dos contribuintes.

Aquele que estava na tribuna defendendo as reformas do Estado brasileiro, a redução das desigualdades, o combate aos privilégios, maior eficiência do estado, justiça social, educação de qualidade e sobre combater a miséria, era a mesma pessoa? Veja como é importante avaliarmos aquilo que falam com relação àquilo que pensam e agem verdadeiramente os nossos políticos, a elite do País. Sim, nossos políticos são a elite, deveriam dar exemplo e ser os representantes do povo. Deveriam estar ali a serviço do contribuinte e não tomando nossos recursos para se reelegerem. Da mesma forma que existe a necessidade urgente de se eliminar a distorção da estabilidade no serviço público, como Maia destaca, esta distorção de financiamento de campanha precisa ser eliminada urgentemente. A questão também é moral! Não podemos ser obrigados a financiar quem quer que seja, se não desejamos. Se nossos políticos desejam buscar a reeleição, que o façam com seus recursos, com doações de quem acredita neles, em função de suas plataformas e “gastando muita sola de sapato” e energia, atendendo aos anseios da população, de seus eleitores, ou seja, nos servindo verdadeiramente.

A questão a ser vencida rapidamente de nossos governantes não seria simplesmente a questão moral? Será que vencendo esta questão, aqueles que foram eleitos por nós não poderiam cobrar da sociedade o mesmo comportamento?

Será que o Brasil mudou?

*Professor, conferencista e consultor em gestão, governança corporativa e planejamento estratégico,

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