EDITORIAL | Um problema sem solução

Definitivamente a escala de valores que rege a vida em sociedade parece seriamente comprometida em nosso País e disso nos dá conta múltiplos exemplos. Um deles veio do Rio de Janeiro esta semana, na forma da determinação de um juiz que houve por bem destituir uma mãe do pátrio poder, exigindo que seu filho de 8 anos seja entregue ao pai, um militar que vive em Santa Catarina. No entendimento do magistrado, a criança estará mais bem acolhida no Sul, enquanto no Rio de Janeiro as condições de vida e segurança são tão precárias, principalmente para moradores de favelas como é o caso, que será melhor para a criança viver distante da violência da cidade.
Em tese e sem outras considerações, não se poderia dizer ser este um raciocínio equivocado, mas evidentemente nada é tão simples como possa parecer. Primeiro, os direitos da mãe, estudante da Fiocruz e agente comunitária com emprego e salário estáveis, assim como da própria criança. Segundo, uma questão mais ampla e para a qual, ao que se saiba, não existe resposta. Ocorre que os níveis de insegurança no Rio de Janeiro são tão conhecidos quanto alarmantes, sendo certo que centenas de milhares de crianças estão expostas às mesmas condições e riscos. Transferir todas elas para a aprazível Santa Catarina ou para qualquer outra localidade não parece plausível, na realidade está fora de cogitações, o que, interpretada literalmente a decisão proferida, estaria também sepultando o princípio segundo o qual todos somos iguais perante a lei.
Como não poderia deixar de ser, foram muitas as reações contrárias à aparentemente inédita decisão. Como da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, que entende faltarem bases jurídicas à decisão. E bom senso, completaríamos, uma vez que, aceito o raciocínio, qualquer criança no Rio de Janeiro estaria com seu direito à convivência familiar ameaçado. A mãe objeto da ação relata que se separou e pediu a guarda da criança depois que o ex-marido atentou contra sua vida. Da separação resultou a mudança para a favela, evidentemente por falta de alternativa, enquanto o pai foi viver em Santa Catarina, agora também reclamando a guarda, além de alienação parental.
Disputas dessa natureza entre casais estão longe de ser novidade e, não raro, a verdade passa a ser um tanto relativa. Novidade é o fundamento da decisão proferida, que os advogados a serviço do pai definem como “chororô” enquanto afirmam que a mãe não pode almejar morar eternamente numa favela famosa pela violência e criminalidade, ao mesmo tempo em que deveria desejar o melhor para seu filho. Seja como for, parece claro que, se firmada jurisprudência, estaremos diante de mais um problema sem solução.
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