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VIVER EM VOZ ALTA | Vagalumes na escuridão

VIVER EM VOZ ALTA | Vagalumes na escuridão
Crédito: Ignácio costa

ROGÉRIO FARIA TAVARES*

Motivado pelas leituras de filósofos como o italiano Giorgio Agambem e o francês Georges Didi-Huberman (cujos textos tenho estudado bastante, para uma tese de doutorado em Literatura), acabei exercitando outros olhares para os tempos em que vivemos hoje, de tão difícil compreensão. Agambem assim define o contemporâneo: “(…) é aquele que mantém o olhar fixo no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro. Todos os tempos são, para quem deles experimenta contemporaneidade, obscuros. Contemporâneo é, justamente, aquele que sabe ver essa obscuridade, que é capaz de escrever mergulhando a pena nas trevas do presente.” A visão pode parecer pessimista, mas é instigante, e convoca o leitor a não se iludir.

Didi-Huberman, por sua vez, se recusa a ver somente a noite escura, qualificando tal comportamento como o daqueles que agem como derrotados: “É agir como vencidos: é estarmos convencidos de que a máquina cumpre seu trabalho sem resto nem resistência. É não ver mais nada. É, portanto, não ver o espaço – seja ele intersticial, intermitente, nômade, situado no improvável – das aberturas, dos possíveis, dos lampejos, dos apesar de tudo”. É na bela imagem da ‘sobrevivência dos vaga-lumes’ que o pensador sintetiza suas ideias. Negando-se a crer em seu desaparecimento, escreve: “É somente aos nossos olhos que eles ‘desaparecem pura e simplesmente’. Seria bem mais justo dizer que eles ‘se vão’, pura e simplesmente. Que eles ‘desaparecem’ apenas na medida em que o espectador renuncia a segui-los. Eles desaparecem de sua vista porque o espectador fica no seu lugar que não é mais o melhor lugar para vê-los”.

Inspirado por essas palavras, passei a buscar os vagalumes, portadores de uma luz que o próprio Didi-Huberman chama de pulsante, passageira, frágil. Para ser sincero, é preciso admitir, sem medo: à luz dos vaga-lumes fica até mais fácil enxergar o tamanho (imenso) da escuridão que nos envolve. O que poderia desanimar, no entanto, exerce efeito contrário, já que não é menos certo dizer que os vagalumes certamente trazem alguma esperança. Entre outras razões, pela impressionante contradição que carregam consigo: como seres tão delicados e vulneráveis portam beleza tão encantadora, potente o bastante para iluminar e alegrar o espírito dos que os contemplam? Em minhas expedições à procura de vagalumes, já conheci algumas pessoas incríveis e projetos poderosos, mesmo que aparentemente modestos.

Como o meu campo é sobretudo o da literatura, chamo de novo a atenção para iniciativas luminosas, como fiz na coluna da semana passada. Dessa vez, destaco o Salão do Livro infantil e juvenil, outra realização da Câmara Mineira do Livro, sob curadoria da competente jornalista e editora Leida Reis. O homenageado desse ano é o poeta Libério Neves, que infelizmente nos deixou há poucos dias. O Salão fica em cartaz até domingo, dia 8, no Casa Raja Shopping, em Belo Horizonte, e oferece uma programação imperdível para crianças e adolescentes (de todas as idades…). Lá certamente estarei nessa sexta (para ouvir o grande escritor Edimilson de Almeida Pereira) e durante o fim de semana, com Sabrina, Carlos e Gabriela, feliz pela oportunidade de apresentá-los a vaga-lumes chamados Henriqueta e Alaíde Lisboa, Bartolomeu Campos de Queiroz, Angela Lago, Ruth Rocha, Ana Maria Machado…

*Jornalista e presidente da Academia Mineira de Letras

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