EDITORIAL | Receita para transformar

Ao que tudo faz crer, os problemas da economia mundial, que podem estar sinalizando um quadro recessivo, vão muito além das contendas entre Estados Unidos e China. Na realidade, o planeta está empobrecendo ou, antes, sofrendo as consequências de um processo de concentração da renda que, inclusive, ajuda a explicar o movimento pendular da política, claramente desfavorável à democracia liberal. Na realidade – e para tomarmos um ponto mais próximo – tudo seria consequência da crise financeira de 2008/2009, que eclodiu por conta do que foi chamado na época de “especulação ensandecida”, anomalia que, mesmo detectada, não foi corrigida.
Tudo isso significa dizer que os ricos estão mais ricos e os pobres, evidentemente larga maioria, mais pobres, num processo que acaba por afetar o poder de compra e consequentemente o consumo. E não estamos olhando para os países periféricos. Nos Estados Unidos, entre 1948 e 1973, a renda familiar média real cresceu 3% ao ano, o que corresponde a uma probabilidade de 96% de um filho ter renda maior que seu pai. E esta seria a mais precisa e concreta medida de evolução em termos econômicos. Depois de 1973 o crescimento da renda foi, em média, de 0,4% ao ano, o que significa que 28% dos filhos terão renda inferior à de seus pais. Na avaliação de executivos de 181 das maiores companhias do mundo, a conclusão é de que algo deu profundamente errado.
E procurando saber o que exatamente deu errado, a conclusão de maior impacto é que a ascensão do capitalismo rentista sufocou atividades e investimentos produtivos, num processo por natureza artificial e insustentável. Fenômeno claramente identificado na crise de 2008/9, quando os países ricos prometeram rediscutir o sistema econômico global, devolvendo primazia aos investimentos produtivos, aqueles que, além de empregos, geram riquezas e esforços para ampliar o comércio global, ampliando mercados a partir do fortalecimento das economias mais pobres e da redução de barreiras. As boas intenções não resistiram aos primeiros sinais de recuperação.
Dez anos mais tarde constata-se que não houve, pelo menos não na escala necessária, recuperação da renda e do consumo, ingredientes que, combinados, voltam a colocar o planeta diante da perspectiva de uma nova crise, com potencial para ser muito maior que a anterior. E impedir o desastre exige, conforme a opinião dos executivos que integram a Business Roundtable, que as empresas reconheçam que não têm compromissos exclusivos com seus acionistas e sim “com todas as partes interessadas”. Em síntese, uma maneira de apontar caminhos mais racionais, fazendo do equilíbrio a alavanca que está faltando.
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