Opinião

Evocações do meu passaporte (VIII)

Evocações do meu passaporte (VIII)
Crédito: Kritchanut

Cesar Vanucci *

“Quem vem uma vez, volta outra vez.” (Propaganda afixada no aeroporto de Katmandu, Nepal)

As impressões de viagem desta rodada ficam concentradas, mais uma vez, na Índia e no Nepal. A Índia persegue o progresso com benfazeja obsessão. São, todavia, a perder de vista os complicadores capazes de influir para que as coisas não aconteçam de acordo com o figurino traçado e na velocidade almejada. A burocracia faz a de qualquer outro lugar parecer, comparativamente, um modelo ideal de funcionamento. A infraestrutura dos serviços fundamentais pode ser resumida numa única expressão: terrível. Os sistemas de transportes são precários a mais não poder. O país é bem servido de malha ferroviária, mas os trens deixam a desejar. As linhas aéreas domésticas não são lá essa coisa. O mesmo a dizer dos transportes coletivos. Fiz viagens de Delhi a Jaipur e de Jaipur a Agra.

Trechos curtos, pouco mais de duzentos quilômetros em cada caso. Os veículos enfrentaram, valentemente, em intermináveis horas por cada trecho percorrido, o mais completo caos rodoviário que alguém conseguirá imaginar. Ou que alguém jamais conseguirá imaginar. Congestionamento o tempo todo, envolvendo gente, viaturas – caminhões, jipes, tratores, motocicletas, bicicletas, triciclos – e animais de tração – elefantes, camelos, vacas – pistas estreitíssimas, mal conservadas. As pistas em questão são apontadas como as de melhor padrão existente no país.

Em tudo quanto é lugar por onde se ande na Índia aparece sempre alguém a recomendar não se faça uso, pra beber, da água de torneira, por riscos de contaminação. Isso conduz o turista prevenido a conservar sempre à mão, mesmo na rua, um frasco de água mineral com selo de garantia. Nos próprios hotéis funciona um sistema permanente de troca dos frascos d’água industrializados. O consumo do produto, garantido por multinacional do setor, é colossal, à vista do público consumidor em potencial. Mas, de qualquer modo, a situação deixa muitos com “pulga atrás da orelha”. Será mesmo que toda a água do país está contaminada? As empresas da água mineral intensamente vendida engarrafam-na aonde? Será que não haveria, no rendoso negócio, um bando de espertalhões deitando e rolando em cima de aprontações marqueteiras a propósito dessa história?

Os locais onde são armadas as piras de cremação mortuária, tradicionais nas culturas indiana e nepalesa, figuram no roteiro preparado pelas agências para turistas. Descartei, em Katmandu, a possibilidade de assistir a uma cremação ao vivo, oferecida por módicos dólares. Já em Bombaim, num parque local, tive a atenção despertada pelo guia para uma outra modalidade incomum de desfazimento dos restos mortais de pessoas queridas.

Explicaram-me ser adotada apenas no círculo restrito dos adeptos de uma seita consagrada à veneração de Zoroastro. Num determinado ponto do parque, interdito ao público, os despojos são deixados às aves de rapina.

Constato ser abundante o cultivo da “Cannabis Sativa” em Katmandu e outras paragens do Nepal. No Centro Histórico da capital nepalesa deparei-me com a oferta de maconha e outros “produtos”, da linha alucinógena, aos transeuntes. Não vi, todavia, ninguém com “cara de drogado”. Ao contrário do que comprovei, desagradavelmente, em outras ocasiões, em cidades europeias. Em Roma, por exemplo, certa noite, inesperadamente, numa imensa praça, onde as entradas estavam guarnecidas por “carabinieres”, para impedir, ao que me disseram, manifestações de grupos contrários, presenciei, perplexo, uma concentração popular volumosa, com as pessoas se atirando, frenética e insensatamente, a experiências com tudo quanto é tipo de droga.

Os Siks, seita com muitos adeptos, são força econômica poderosa na Índia. Dá pra perceber logo sua capacidade de articulação. As agências de turismo costumam indicar hotéis onde os donos pertencem à seita. Programam visitas, algumas desnecessárias e enfadonhas, a estabelecimentos comerciais do grupo. Os restaurantes sugeridos também são deles. Visitei um templo ligado a esse ramo religioso, em que as pessoas ostentam vistosos turbantes, tomando conhecimento de um elogiável trabalho assistencial ali promovido. Milhares de refeições são distribuídas diariamente aos excluídos sociais.

* Jornalista ([email protected])

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