Opinião

Provocador de ódio

Provocador de ódio
Crédito: Dida Sampaio / Estadão

Carlos Perktold *

Ódio é um sentimento nascido no Jardim do Éden e descrito no livro Gênesis da Bíblia. Surgiu com a inveja de Caim sobre Abel e que resultou no assassinato deste, tornando-se a partir daí em nosso modelo de irmão. Este modelo é encontrado e repetido diuturnamente quando deixamos nossa casa e enfrentamos o caótico trânsito e segue pelo dia afora nas nossas pressa e concorrência generalizadas. Ninguém escapa dele e seguimos trocando de lugar em cada conflito diário, ora como Abel e ora como Caim. Para comprovação, vide os irmãos Collor.

O ex-Procurador-Geral da República Rodrigo Janot confessou em livro que planejou ser o Caim do ministro Gilmar Mendes e este, indignado e compreendendo o risco que correu dando sua opinião sobre a atividade advocatícia da filha do procurador, recomendou-lhe “ajuda psiquiátrica”, além de falar mal de suas redações em processos enviados para exame do ministro. Além disso, o ministro Alexandre de Moraes enquadrou Janot na Lei de Segurança Nacional, cassou o seu porte de arma e ordenou busca e apreensão na sua casa. Lembro-me de lições de Direito Penal com o saudoso Professor Hélio Hermeto, em cuja sala de aula aprendi que intenção de cometer um delito não é crime e, portanto, não está tipificado no Código Penal. Imaginar que Janot é perigoso é um exagero jurídico, provado na desistência de seu propósito. Portanto, aos meus olhos, todos esses procedimentos são injustos, ilegais e expõem desejos políticos.

Provocar ódio é especialidade do ministro Gilmar Mendes na sua trajetória no STF, quando se expõe pela televisão ou nas suas decisões legais, mas tão impopulares. Nem precisa perguntar ao ministro Luís Barroso sua opinião sobre o colega. Ela já a deu pela televisão e que deixou alguns brasileiros perplexos e outros envergonhados. Até hoje, o vídeo com este conteúdo circula em redes sociais, valorizando Barroso e desvalorizando Gilmar. Por certo, este crê e argumenta em cada processo que todas suas decisões são baseadas nas legislações em vigor, pois é um ministro conhecedor do Direito e incorruptível. O povo brasileiro é quem não o compreende e nem suas decisões.

A cada nova sentença, o ministro cria novos tipos de ódio pelo País e vai acumulando desafetos dentro e fora do STF. Há duas ou três gerações, ministro de STF era altamente respeitado pela sua honestidade, retidão, conhecimento jurídico, cultura e erudição; jamais falava fora dos autos, não se expunha pelo rádio e menos ainda pela televisão. Nenhum deles tinha pretensão de ser estrela de tevê e nem de ser objeto de matérias e mais matérias em jornais e revistas. Discrição era a regra.

A atual geração de ministros parece procurar o estrelato. O ministro Gilmar Mendes ainda não se deu conta de que hoje é uma das pessoas mais odiadas do Brasil. Sem condições de frequentar lugares públicos em nossas cidades sem ser vaiado, perseguido verbalmente e vilipendiado com palavras ofensivas por brasileiros em geral, refugia-se com frequência em Lisboa. Lá, tem a liberdade de andar de bermudas e tênis, entrar em livrarias ou folhear um jornal em qualquer praça lisboeta sem ser perturbado. Mas, quando é reconhecido por grupo de turistas conterrâneos, a cena é a mesma que seria se ele fosse encontrado em lugares públicos no Brasil. Não lhe faltam experiências neste sentido.

Lixando-se para o público habitualmente leigo em direito, Gilmar não percebeu que as pessoas que o odeiam são aqueles que o vêm como um ministro partidário, longe de ser isento nas suas decisões publicadas e vistas pela televisão diariamente.

*Advogado, psicanalista e escritor

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