Lula aguarda julgamento do STF sobre suspeição de Moro

São Paulo – Enquanto aguarda julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre pedido de suspeição do ex-juiz Sergio Moro, a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai travar um embate sobre a reivindicação do petista de não aceitar o uso da tornozeleira eletrônica como condição para a progressão do seu regime de prisão do fechado para o semiaberto.
Na última sexta-feira, procuradores da força-tarefa da Lava Jato de Curitiba pediram à Justiça que Lula seja beneficiado com o regime semiaberto, já que ele cumpre requisitos para isso, como ter cumprido mais de um sexto da pena e é considerado um preso de bom comportamento.
A decisão sobre a progressão será tomada pela juíza federal Carolina Lebbos, responsável por acompanhar a execução da pena do ex-presidente. Em outros casos da Lava Jato, a juíza determinou que os condenados usassem tornozeleira eletrônica para obter esse benefício.
Na última segunda-feira, porém, Lula divulgou uma carta na qual sinaliza que não aceitará o benefício. “Não troco minha dignidade pela minha liberdade”, afirmou. “Quero que saibam que não aceito barganhar meus direitos e minha liberdade”, escreveu o ex-presidente.
A juíza publicou um despacho na segunda-feira em que pede a certidão de conduta carcerária de Lula. O próximo passo é a manifestação da defesa do ex-presidente, que terá cinco dias para isso.
É nesta manifestação que os advogados do petista vão argumentar que o uso da tornozeleira fere a dignidade do ex-presidente e que ele não seria obrigado a aceitar tal condição para deixar o regime fechado de prisão.
“Na minha visão, o Lula tem o direito de recusar a usar tornozeleira, por exemplo. Ele pode até não progredir (para o regime semiaberto), mas o Estado não pode obrigá-lo a usar algo que ele considera altamente negativo para a dignidade dele”, diz Cristiano Zanin, que comanda a defesa do petista. “Sei que haverá muito debate, porque a situação é inédita”, pondera.
O uso da tornozeleira como condição para a progressão de regime não está descrito na lei, assim como não é previsto o regime semiaberto em domicílio. Essa modalidade de cumprimento de pena em regime semiaberto domiciliar é uma adaptação feita por decisão judicial para que presos possam progredir de regime mesmo quando não há vagas em estabelecimentos preparados para o cumprimento do regime semiaberto convencional, como em colônias penais agrícolas, por exemplo.
Apesar do histórico de decisão pela vinculação da tornozeleira à concessão da progressão de regime, a juíza Carolina Lebbos pode optar por não fazer esta exigência. Neste caso, sem a obrigatoriedade do uso da tornozeleira, a defesa de Lula entende que a decisão judicial deveria ser cumprida.
“Na minha visão o Estado pode obrigar o jurisdicionado a progredir de regime”, diz Zanin. “Mas, se impuser qualquer condição, o jurisdicionado pode discordar, por exemplo, por entender que é incompatível com a sua honra subjetiva ou com a sua dignidade.”
“Do ponto de vista jurídico, teremos maior força nos nossos argumentos para implementar essa decisão do ex-presidente se houver a fixação de qualquer condição para a eventual progressão”, diz Zanin.
Judicialização – A defesa de Lula diz ainda que seja qual for o entendimento de Carolina Lebbos sobre a tornozeleira há uma decisão do ex-presidente de só sair da cadeia após uma decisão de anulação ou absolvição em seu processo, o que abriria brecha para a judicialização do caso da progressão de regime em outras instâncias da Justiça.
“A posição do ex-presidente é de que ele só sai de lá com o processo anulado ou a inocência reconhecida diante do caráter ilegítimo do processo”, diz Zanin. A manifestação da Lava Jato e a resistência do ex-presidente ocorrem às vésperas de julgamentos do STF que podem ter desdobramentos em sua condição.
Na última segunda-feira, a defesa do ex-presidente pediu ao Supremo que a ação que questiona a suspeição do ex-juiz Sergio Moro, atual ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, seja julgada com urgência pela Segunda Turma. Se a corte julgar que houve parcialidade, a condenação no caso do tríplex poderia ser anulada e o petista, solto.
Há ainda outros pedidos que o STF deve analisar neste semestre e que podem ter desdobramentos favoráveis a Lula: a validade de sentenças em que a última palavra nos processos foi dos delatores, e não dos réus delatados; e a prisão antes de serem esgotadas as possibilidades de recurso. Esses julgamentos podem ter impacto no caso do tríplex de Guarujá (pelo qual Lula já foi condenado até a terceira instância) ou no do sítio de Atibaia (pelo qual já foi condenado em primeira instância).
Lula está preso desde o dia 7 abril de 2018 em uma cela especial da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba. O local mede 15 metros quadrados, tem banheiro e fica isolado no último andar do prédio. Ele não tem contato com outros presos, que vivem na carceragem, no primeiro andar.
A pena de Lula foi definida pelo Superior Tribunal de Justiça em oito anos, dez meses e 20 dias. O petista foi condenado sob a acusação de aceitar a propriedade de um tríplex, em Guarujá, como propina paga pela OAS em troca de três contratos com a Petrobras, o que ele sempre negou. (Folhapress)
PF emite uma certidão de bom comportamento
Curitiba – A Polícia Federal emitiu ontem uma certidão à Justiça para atestar que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem bom comportamento carcerário -requisito para ele progredir do regime fechado ao semiaberto.
O documento, assinado pelo superintendente da PF no Paraná, Luciano Flores, e anexado ao processo de execução penal do petista, afirma ainda que não existem anotações de falta disciplinar contra Lula, preso no local desde abril de 2018. A certidão de conduta carcerária de Lula havia sido requisitada pela juíza Carolina Lebbos na última segunda-feira.
O despacho ocorreu depois que, na semana passada, o Ministério Público Federal recomendou que o ex-presidente seja encaminhado ao regime semiaberto, pois já cumpriu um sexto da pena a que foi condenado no caso do tríplex de Guarujá (SP).
Na mesma decisão, a magistrada determinou que a defesa do ex-presidente também se manifeste sobre o pedido. A certidão é exigida por lei para comprovar o bom comportamento de presos para que tenham acesso à progressão de regime.
Se a juíza Carolina Lebbos concordar com a manifestação da força-tarefa da Lava Jato e determinar a progressão de Lula ao regime semiaberto, a recusa do petista em aceitar as condições, incluindo a utilização de tornozeleira eletrônica, pode trazer prejuízos futuros a ele, segundo advogados ouvidos pela reportagem.
Os especialistas destacam que a situação é inusual, mas que, se houver uma ordem da juíza e Lula não quiser ir ao semiaberto, na prática ele correrá o risco de ser considerado um preso com mau comportamento ou responder por descumprir decisão judicial.
Impasse – Marcelo Lebre, professor de direito penal em diversas instituições, como a Escola da Magistratura Federal, afirma que “uma vez determinado pela juíza a implantação do regime semiaberto, em tese o condenado não poderia se recusar”. Ele ressalva, no entanto, a possibilidade de um impasse caso a recusa seja, por exemplo, para a colocação de tornozeleira eletrônica.
Para Lebre, “o condenado não é obrigado a aceitar a tornozeleira como condição” – embora não haja previsão legal diante de eventual recusa. “Lembrando que estamos diante de uma situação inusitada. É a primeira vez que eu vejo alguém não querer ir ao regime semiaberto e, de outro lado, o Ministério Público fomentando a implementação.”
Recusar-se a cumprir uma condição para progressão de regime pode trazer consequências negativas a Lula. “Nenhum preso pode se recusar à progressão de regime. O que acontece é que normalmente quem requer é o preso. Mas a lei dá legitimidade ao Ministério Público para postular a progressão de regime. Se o Ministério Público pedir e o juiz deferir, não está na escolha do preso querer ficar no regime fechado ou ir para o aberto”, diz Gustavo Badaró, professor de direito da Universidade de São Paulo (USP).
“Pela lei pode (recusar progressão de regime)? Não pode, com a mais absoluta certeza. Se o juiz determinar que ele vai para progredir para um semiaberto tal e ele disser que não vai e agarrar-se à cama, isso pode ser considerada uma falta grave. A lei não prevê que ele tem que aceitar. Depende do que ele fizer. Se ele der um tapa na cara de um agente, vira uma falta grave e aí ele não terá bom comportamento”, exemplifica Badaró.
Em caso de mau comportamento, o preso não se enquadraria mais no perfil para progredir de regime, já que este é um requisito para o benefício.
Para a criminalista Jéssica Buair, ao se recusar a usar tornozeleira, Lula estaria descumprindo decisão judicial. “O uso da tornozeleira é o que consideramos o regime semiaberto harmonizado. O fato de ele se recusar a progredir de regime está em se recusar possivelmente a usar a tornozeleira. Tendo em vista que em casos de execução semelhantes o semiaberto harmonizado está vinculado ao uso do aparelho”, diz a especialista. “Nunca vislumbrei uma situação como essa. Ele estaria descumprindo uma determinação do juízo”, ressalta. (Folhapress)
Procuradores mudam comportamento habitual
São Paulo – Os procuradores da Lava Jato mudaram seu comportamento habitual na operação ao tomar a iniciativa de pedir a progressão de regime para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Além de ser atípico a Procuradoria se manifestar em relação a essa hipótese antes mesmo da defesa, a força-tarefa abriu, no caso do petista, a possibilidade de saída da cadeia mesmo sem o pagamento da reparação de danos a cofres públicos – decorrentes do crime de corrupção e lavagem no caso do tríplex de Guarujá (SP).
Em documento encaminhado à Justiça Federal na última sexta-feira, a equipe coordenada pelo procurador Deltan Dallagnol afirma que Lula segue as condicionantes para que vá para o regime semiaberto, uma vez que já cumpriu um sexto da pena e teve bom comportamento na cadeia.
Os procuradores disseram ainda que existe a “garantia integral à reparação do dano e à devolução do produto do ilícito praticado”. Lula está com bens bloqueados por ordem da Justiça e ainda não pagou essas quantias a título de reparação, já que ainda cabem recursos nas instâncias superiores contra a condenação.
O pedido dos procuradores está sob análise da juíza Carolina Lebbos, que administra a pena do ex-presidente. A flexibilidade em relação ao pagamento da reparação de danos aos cofres públicos não aconteceu em relação a outros presos da Lava Jato, que questionam em várias instâncias da Justiça a obrigatoriedade de quitar essa pendência para só então poder progredir de regime.
A força-tarefa vem atuando há anos contra tentativas de condenados de sair da cadeia sem que tenha havido o pagamento dessa obrigação.
Em abril, a equipe coordenada por Deltan deu parecer contrário à ida do ex-diretor da Petrobras Renato Duque para o semiaberto, após cinco anos de regime fechado, argumentando que não houve a reparação integral dos danos aos cofres públicos, ainda que ele tenha confessado crimes. Duque continua preso.
“Casuísmo” – “É a primeira vez que isso acontece no bojo da Lava Jato”, diz o advogado e professor Marcelo Lebre, que atua em casos da operação no Paraná. Ele vê a situação como “casuísmo” e entende que o critério gera insegurança jurídica e quebra de isonomia em relação a outros presos.
Em fevereiro, o grupo de procuradores reagiu contra medida da Justiça Estadual que beneficiaria o ex-senador Gim Argello com a liberdade condicional mediante o parcelamento da reparação de danos de R$ 7,35 milhões e pediu que a Justiça Federal fosse reconhecida como a responsável por administrar esse tipo de ressarcimento.
Em casos de presos que permanecem no sistema penitenciário estadual do Paraná, quem trata do dia a dia do cumprimento da pena de condenados da operação são promotores de Justiça e juízes estaduais. Argello acabou saindo da cadeia em junho passado, beneficiado por um indulto.
Uma lei federal de 2003, sancionada por Lula quando era presidente, estabelece que a progressão de regime de condenados em crimes contra a administração pública só deve ocorrer após a “devolução do produto do ilícito praticado”.
No caso de Lula, a reparação dos danos aos cofres públicos relacionados ao caso tríplex foi fixada em R$ 2,4 milhões pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) – na segunda instância, havia sido estabelecido um valor de R$ 16 milhões.
Em muitos dos casos da Lava Jato, o cálculo dos danos a serem reparados são feitos com base em porcentagens de contratos da Petrobras investigados, o que impulsiona as dimensões desses valores. As defesas reclamam que a cobrança do pagamento ocorre mesmo entre aqueles que têm bens bloqueados, que ficam sem ter condições práticas de quitar esses valores.
A Procuradoria rebatia argumentando que há a alternativa de vender antecipadamente os bens arrestados, saída criticada pelas defesas.
O ex-diretor da Petrobras Jorge Zelada chegou a escrever neste ano uma denúncia de violação de direitos humanos na Comissão Interamericana de Direitos Humanos afirmando que é um preso por dívida, algo proibido pela legislação. O Ministério Público Federal cobrava do ex-diretor a formalização de uma declaração de insolvência.
Na reclamação de Zelada, ele apontou que condenados por crimes violentos (como o casal Nardoni, acusado de matar a filha, e Suzane Von Richthofen, que cumpre pena pelo assassinato dos pais) conseguiram progredir de pena. (Folhapres)
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