Observações ao presidente Bolsonaro

Tilden Santiago *
Presidente Jair Bolsonaro, entramos na Câmara Federal em 1990. Ficamos três mandatos juntos (1991 a 2003). Em 2002, disputei o Senado por Minas, obtendo 3,3 milhões de votos. Perdi para Hélio Costa (MDB), mas acabei seguindo em 2003 para Havana, como embaixador. A partir de 2003 você continuou na Câmara com o olhar no Planalto.
Quando o presidente fez referência a meu nome em Havana, recentemente, informado pelo deputado Marcos Feliciano, esqueceram-se de que à época o presidente Itamar Franco seguiu para Roma e Paes de Andrade para Lisboa. Em 2007 Lula nos chamou de volta ao Brasil. Aprovado no Senado por 14 votos a 1 fui cumprir a missão a mim confiada. Missão se cumpre: no meu caso como político, sacerdote e seguidor de Yeshua de Nazaré.
Aprendi no Itamaraty e depois com o Corpo Diplomático em Havana esta nova arte, a meu ver, bem diferente da política. Enquanto a diplomacia unifica e tenta superar as diferenças entre nações e indivíduos, a política divide, sedenta de poder pelo poder. A vida nos ensinou a ambos essa realidade do Brasil e do Mundo.
Acompanho seu mandato, desejando que o Brasil avance, estando você na liderança, legitimamente eleito pelo povo. E é por isso que tomo a liberdade de fazer-lhe duas observações, talvez no mesmo estilo simples e se colegas quando bebíamos cafezinho em pé, ao lado do Plenário, na Câmara. O que você fazia muito mais frequência com Vladimir Palmeira, certamente por serem ambos cariocas.
Primeira observação: pelo bem do Brasil e consistência de seu mandato, penso que está nas suas mãos levar o Brasil a retomar o protagonismo que ele sempre teve no processo histórico da América Latina. Não é radicalizando, que esse objetivo será atingido. Pelo contrário, é flexibilizando, especialmente na política externa. Aos seus ouvidos deve soar mal, estabelecer uma nova maneira mais brasileira, carioca e democrática de se relacionar com a Venezuela, Cuba e agora Equador. Isso só para começar.
Sei que existem militares nacionalistas, oficiais, generais e seguidores de um de seus gurus, que pensam como seu antigo colega de parlamento. O Brasil tem plenas condições de compartilhar e sentir com “todos os povos” latino-americanos, independentemente de ideologia.
Segunda observação: Numa próxima oportunidade não deixe de se encontrar pessoalmente com o Papa Francisco, em Roma ou noutra cidade. Será bom para o Brasil, seu povo e você, enquanto o governa. Foi bom você ter ido à Aparecida: Foi bom aos olhos de católicos, onde você teve sua origem e dos evangélicos que gozam de uma visão ecumênica. Independentemente de credo, foi bom aos olhos do cidadão comum brasileiro.
Mas Francisco e Irmã Dulce, no meu entender, eram prioritários, inclusive para sua presença na mídia nacional e internacional.
Não tenho nada contra o nobre general Mourão. Mas o presidente é você, mesmo sendo capitão. Perdeu uma boa ocasião de falar para o mundo como falou na ONU. E de encontrar pessoalmente e dialogar reservadamente, como presidente do Brasil, com uma liderança que já entrou para a História, aos olhos da Humanidade. É um privilégio seu, que lhe deram os brasileiros de escutar e falar o que ambos pensam sobre o mundo atual, as guerras, o Prêmio Nobel, o clima, a ecologia, a Amazônia, nosso povo, o evangelho, o seu batismo no Jordão e Yeshua de Nazaré.
Na juventude, morei em Roma como teólogo, depois em Nazaré, Jerusalém, Palestina e Lago de Genezaré. Também no Kibutz Guinossar, em Israel, próximo ao local do Jordão onde você e Yeshua foram batizados.
Vivenciei o Concílio Vaticano II. Conheci pessoalmente cinco papas de João XXIII a Francisco. Cada um teve seu papel no seu momento da história. Mas no meu entender, sem demérito de nenhum, Francisco é “hors concourt” – com sua cabeça de Jesuíta de Roma, da Argentina e da ciência moderna e seu coração franciscano de Assis. Aliás foi um cardeal brasileiro que sugeriu a ele ser um Papa dos pobres. Ele respondeu escolhendo o nome de Francisco.
Mas você sabe, Jair Bolsonaro, que somos muitos os cidadãos brasileiros, cristãos ou não que na próxima ocasião esperam que em vez de mandar Mourão, o vice, vá você o presidente. Essa texto, fruto de minhas preces, não deixa de ser um “testemunho” de minha missão, como embaixador de Deus junto aos homens, entre os quais estão você e os leitores do DIÁRIO DO COMÉRCIO.
*Jornalista, embaixador e sacerdote anglicano
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