Opinião

O fracasso do modelo neoliberal do Chile

O fracasso do modelo neoliberal do Chile
Crédito: Ivan Alvarado / Reuters

Nair Costa Muls*

As manifestações que ocupam as ruas das diferentes cidades chilenas, algumas delas com mais de um milhão de pessoas, retratam o esgotamento do modelo neoliberal no Chile, aplicado em fins da década de setenta, início dos anos oitenta, no governo Pinochet, com a ajuda de economistas da Escola de Chicago, aí se incluindo o nosso Paulo Guedes, que, hoje, defende a aplicação do mesmo modelo no Brasil.

Visto como um caso de sucesso pelos defensores do neoliberalismo, com um crescimento do PIB jamais visto (mais de 4%), o desenvolvimento do Chile e o seu crescimento era, no entanto, destinado a poucos. A maior parte da população chilena, sobretudo os trabalhadores, vivia numa situação de endividamento crescente. O modelo, na realidade, não garantia uma sociedade justa.

Senão vejamos:

Salários baixos; destruição dos direitos trabalhistas; jornadas de trabalho de 45 horas, férias de 15 dias, 30 minutos de almoço; sindicatos quase que totalmente desorganizados e sem força de negociação. Os mineiros e os índios mapuche são os que mais sofrem: os primeiros, com os problemas acrescidos pelas consequências nefastas da mineração (doenças pulmonares, musculares e psicológicas) que, inclusive, afetam a organização e coesão familiar; os segundos, por suas terras serem objeto de cobiça e frequentes disputas.

Privatização dos serviços públicos e de setores importantes da economia.

Educação em baixa e a obrigatoriedade de pagamento dos cursos das universidades públicas, o que tornava difícil o acesso de grande parte da população, sobretudo das faixas mais prejudicadas pelo nível salarial e levava ao endividamento crescente do estudante e de suas famílias (inclusive por muitos anos depois de terminado o curso).

Saúde pública também paga, através de planos de saúde privados, que, todavia, não cobriam todos os gastos de atendimento hospitalar, internação, cirurgias etc, com hospitais caóticos e muita gente (milhares) morrendo nas filas de espera.

Reforma da Previdência que tornou possível a capitalização do sistema previdenciário, num arranjo em que só os militares e os policiais dispõem da previdência pública. Nesse processo, 80% das aposentadorias são inferiores ao salário mínimo, além de os trabalhadores terem que pagar à AFP- Administradora dos Fundos de Pensão, que gere a capitalização da previdência, fundação administrada por bancos, empresas e seguradoras que se apropriam dos fundos captados para ampliar seus negócios particulares.

Nesse processo, a saúde, a educação, a segurança, as condições de trabalho se deterioraram. As condições de vida do chileno comum se tornaram insuportáveis. “A desastrada capitalização da previdência” levou à precarização do trabalho e despertou revolta, reconhece Celso Rocha de Barros em seu artigo na Folha de São Paulo (28/10/19, A revolta chilena”,  sugerindo ainda que pode haver algo errado com o modelo latino-americano, já que a crise lá chegou e se instalou de forma aguda,   embora o país mostrasse um desempenho econômico melhor do que o do resto do continente” .

Nesse contexto, num país “em que os 5% dos mais ricos têm renda semelhante aos 5% mais ricos da Alemanha e os 5% mais pobres têm a renda dos 5% mais pobres da Mongólia” (ver artigo citado acima) o aumento dos transportes públicos foi a gota d`água  e logo toda a população, puxada pelos jovens que pularam as matracas do metrô,  se levantou contra o governo,  propondo um pacto social e exigindo uma nova Constituição, com o fim daquela herdada de Pinochet.  Consideram-se desrespeitados por um modelo econômico, que implantado há trinta anos não garantiu uma sociedade justa. Como lembrou Roberto Brant em artigo recente (Estado de Minas, 28/10/19), “o modo de funcionamento das economias modernas está elevando exponencialmente as desigualdades econômicas e a ação compensatória dos Estados está em pleno recuo em toda a parte” (…) “de um modo geral as pessoas, cuja renda está acima das linhas de pobreza, estão ficando mais pobres na maioria dos países, inclusive no Brasil. A economia global está cada vez mais desumana e o mal-estar pode alastrar-se e se tornar intratável”.

Um grande estudioso do capitalismo atual, o economista francês Thomas Piketty em seu novo livro “Capital e ideologia” aprofunda as análises feitas em “o Capitalismo no século XXI” (publicado em 2013) e reforça o caminho necessário para evitar uma explosão do mundo capitalista: uma justa distribuição da renda, que passa inclusive por uma “justiça educacional”; o reconhecimento, por parte dos empresários, da competência dos trabalhadores e a sua importante participação na gestão da empresa; uma redefinição do que é a “propriedade” (e ele entende que deve ser temporária e limitada) e, finalmente, mas não em último lugar, o aumento dos impostos dos ricos, numa escala adequada ao montante da riqueza.

*Doutora em Sociologia, professora aposentada da UFMG/Fafich

Rádio Itatiaia

Ouça a rádio de Minas