Primitivismo e polarização nunca mais

Tilden Santiago *

Pensamentos e propostas políticas fundamentadas em teorias e práticas, que alimentam a “bipolarização”, não ajudam o Brasil no avanço histórico, necessário para superar a crise cíclica e profunda que afeta a Nação brasileira e que freia o desdobramento do capitalismo sustentado por nossas elites, partidos políticos e militares.

A bipolaridade impede o aproveitamento transformador da rica diversidade, presente na natureza e nos filhos da Terra de Santa Cruz e em poucos anos fez a juventude deixar de lado a militância partidária na nossa política. A bipolaridade impede a renovação política e social na medida em que não incentiva os mais jovens a participar das lutas coletivas e conquistas nacionais, que consubstanciam a construção democrática.

Infelizmente, quase 20 anos de política e administração alternadas entre tucanos e petistas não abriram nossos olhos. Liderados pelo voo baixo do tucano e pelo brilho longínquo da estrela, ficamos extasiados e embriagados com o poder, a ponto de não perceber os riscos da bipolarização e do afastamento das bases sociais. Nem sempre conseguimos aprender com a História…

Quem me chamou a atenção, na época, foi o filósofo francês Alain Badiou (não confundir com Alain Tourraine, ídolo de FHC). Ele estudava com carinho a América Latina, especialmente o Brasil. Não vivia numa bolha abstrata, alienante da filosofia, mas relacionava-se com a política, a cultura, as artes, o teatro, a economia e a psicanálise, sendo um pensador militante fecundo do Partido Comunista Francês (PCF), com visão internacional. Esteve no Brasil dezenas de vezes.

Ele criticava, com propriedade, a falta de entendimento entre PSDB e PT em função do povo brasileiro. Chegou a sugerir uma parceria de ação de ambos, um dedicando-se à política institucional e o outro a fazer política na sociedade, no burburinho das classes sociais. Uma parceria harmoniosa! Na época, isso me pareceu “frescura” de intelectual francês. Hoje vejo que não era!

Talvez agora quem melhor pode nos elucidar é Mangabeira Unger, com seu pensamento e análises perspicazes. Para ele, Bolsonaro é a laranja da vez no projeto malogrado da elite brasileira: “Tanto o atual governo quanto o PT falharam em oferecer alternativa para o País superar o primitivismo”.

A polarização é um dos fatores demonstrativos desse primitivismo. Impedir a bipolarização é o primeiro passo para superar o “primitivismo espraiado nos campos econômico, educacional, político e cultural, implementando, ao mesmo tempo, inovações institucionais para criar uma democracia de alta energia”. Primitivismo nunca mais! Bipolarização nunca mais!

*Jornalista, embaixador e sacerdote anglicano