Leilões de arte

CARLOS PERKTOLD
Nos últimos meses, marchands-des-tableaux e colecionadores têm visto leilões de arte em quantidade exuberante pelo Brasil afora. Neste segundo semestre mais de três mil peças foram oferecidas pelo melhor lance somente no triângulo RJ-SP-BH. Pela boa qualidade de muitos desses lotes e os baixos preços, a crise chegou para alguns amantes da arte que se sentem obrigados a dispor de obras que, em outras circunstâncias, não fariam. Os preços caíram e muitos artistas viram seus trabalhos ser arrematados por preços abaixo da linha de suas próprias tabelas. Aproveitando a dádiva do momento no mercado, algumas obras de artistas já falecidos e de alta qualidade, têm sido oferecidas muito baratas. São obras de pintores como Di Cavalcanti, Aldo Bonadei, Gomide ou Guignard. Afora a crise, os preços caíram porque a oferta foi muito maior que a procura.
Além disso, há perigosas e centenas de ofertas que beiram casos de polícia, tamanha é a cara de pau de certas casas de leilão oferecerem trabalhos a literais preços de banana, todos descaradamente falsos. O leitor, sabendo que um “vaso de flores”, óleo sobre tela de Bonadei, está à venda na Cristhie´s de New York por cinquenta mil dólares, compraria um do mesmo autor e com o mesmo tema por cento e oitenta reais? Pois ele está à venda para o primeiro ingênuo que acredita em milagres no mercado de arte.
É difícil imaginar que no Brasil haja um Caravaggio (1571-1610) à venda, mas recebi e-mail anunciando uma peça dele em leilão a ocorrer nos próximos dias, cujo preço está “sob consulta”. Se for autêntico, é quadro para milhões de dólares e pode ser comprado até por museus americanos ou europeus. Mas, atenção, não basta ser um belo retrato com fundo preto e com cara de pintura do século 19 para ser um Caravaggio. Por último, ofereceram-me um óleo de Raimundo de Oliveira (1930-1966), datado de 1971. Parece piada. Não era.
Conheço colecionador rico e cheio de coisas boas nas paredes do apartamento, que lê as notícias de vendas de outros artistas pela Europa, Hong Kong e Estados Unidos e lamenta “ser tão pobre”. Exageros à parte, ele se refere à venda, por exemplo, de uma escultura, que ele jamais compraria, de Hitler ajoelhado, de autoria de Maurizio Cattelan, polêmico artista italiano, vendida por US$ 17,2 milhões. Seu preço inicial era de US$ 10 milhões, mas ele foi crescendo na mesma medida que cinco colecionadores competiam quem daria o último lance. No último mês, um óleo de Picasso foi vendido por US$ 179,3 milhões e um outro de Modigliani foi vendido por US$ 170,4 milhões. Modigliani não foi contemporâneo de si mesmo, por isso não foi reconhecido em seu tempo, morreu jovem demais, pobre demais e com a cabeça cheia de absinto de tanta angústia e incompreensão.
Diante de valores como esses, investidores em arte e apenas em dois quadros, é difícil não se sentir pobre, assertiva que deixará o leitor perplexo com tanta cabotinice. Quando se fala em arte, fala-se no nível de desejo e não é possível compará-los quando alguém se encontra no nível da necessidade, como a maioria dos brasileiros. De qualquer forma, arte brasileira sempre foi barata e estão aí, ainda vivos, os vários mineiros que não compraram nada de Guignard e hoje lamentam as oportunidades perdidas. Não reconheceram a grandeza do adorável senhor que insistia em vender seus trabalhos argumentando “compre, é muito bonito”. Há ainda o inverso disso. Nos anos 1930, 1940 um trabalho de Oswaldo Teixeira custava o preço de dois ou três quadros de Portinari. Hoje a inversão de valores intelectual e de preço é tão grande que é inútil comentar.
Portanto, quem deseja formar uma pinacoteca de modernistas brasileiros ou contemporâneos é preciso desenvolver o olhar, se informar sobre os artistas, ouvir e acreditar em colecionadores e marchands mais experientes, estar de olho nos leilões e aproveitar o momento. Arte nunca esteve tão barata.
*Integra a Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA) e a Associação Internacional dos Críticos de Artes (AICA)
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