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Mostra de Tiradentes chega à sua 23ª edição

Mostra de Tiradentes chega à sua 23ª edição
Em 2020, são esperados 35 mil turistas entre os dias 24 de janeiro e 1º de fevereiro - Crédito Leo Lara/Universo Produção

Pelo 23º ano ininterrupto, a Mostra de Cinema de Tiradentes se afirmou como palco privilegiado não só de exibição de obras do cinema nacional, como uma plataforma de apresentação e projeção do cinema feito no Brasil para o exterior. Na extensa programação de debates e rodas de conversa do 23º Seminário do Cinema Brasileiro, uma sessão especial e muito concorrida foi aberta na quarta-feira (29), batizada como “O cinema brasileiro nas telas do mundo”.

Na mesa, intermediados pelo crítico de cinema e curador do programa BrasilCinemundi, Pedro Butcher, estavam o curador do IndiLisboa, Miguel Valverde; a diretora artística do Filmadrid Festival Internacional de Cinema, Nuria Cubas; a programadora do Festival Internacional de Cinema de Mar del Plata, Paola Buonotempo; e o crítico e programador do Hamburger International Film Festival e Vienmale, Roger Koza.

Durante o debate os profissionais relataram experiências, estratégias de seleção de festivais internacionais, ações de intercâmbio e cooperação e o olhar sobre o cinema brasileiro. Tudo isso tendo como referência o tema da Mostra: “A imaginação como potência”.

Frequentador de Tiradentes há cinco anos consecutivos, o argentino Roger Koza foi taxativo sobre importância do evento que aconteceu no Campo das Vertentes entre 24 de janeiro e 1º de fevereiro. “A Mostra de Tiradentes é a mais criativa não só do Brasil, mas de toda América Latina, propondo uma constante autorreflexão. Isso é genial”, afirmou Koza.

Como indústria, o cinema tem uma longa cadeia produtiva que culmina com a exibição do filme para o maior número de espectadores possível. Enquanto a produção brasileira cresce e se diversifica, o funil da distribuição e da exibição não se alarga na proporção desejada. Fora do circuito das grandes distribuidoras e das salas instaladas nos shopping centers das grandes cidades, a maior parte da produção – com orçamentos reduzidos e pouca ou nenhuma estrutura de divulgação – não chega ao público e precisa buscar caminhos alternativos.

É aí que esse contato ativo com os curadores e programadores de festivais internacionais, como o que acontece na mostra, pode fazer total diferença. Vencedores ou com participações expressivas em eventos internacionais, muitos filmes brasileiros ganham visibilidade e abrem uma janela de exibição dentro do próprio Brasil que não teriam oportunidade de outra maneira.

Para o crítico brasileiro, o primeiro ponto que precisa ser ressaltado é que o audiovisual é uma indústria desde o surgimento do cinema e, por isso, se desenvolveu como atividade econômica e, paralelamente, como cultura também. Isso trouxe todas as contradições e todas as riquezas da atividade.

“Não é à toa que a maior indústria cinematográfica do mundo é a norte-americana. O cinema dos EUA sempre contou com o apoio do estado, ainda que de forma velada para se desenvolver e sustentar. O que temos que ter em mente é que apenas pelas vias do mercado como elas se apresentam, os cinemas não conseguem se desenvolver”, explica Butcher.

Um momento emblemático na história do cinema brasileiro seria o período das chanchadas. Até então, as pessoas que tentaram criar estúdios no Brasil haviam falido. Muitos empreendedores achavam que bastava produzir para que a distribuição e a exibição acontecesse automaticamente. A história mostrou, porém, que não é assim. As chanchadas, um período em que as produções brasileiras foram sustentáveis e tinham grande conexão com o rádio e a indústria fonográfica, só foi possível porque o produtor dos filmes era também o dono das salas de cinema, o Luiz Severiano Ribeiro Júnior, nos anos de 1950, com a Atlântida Cinematografia.

“Nunca se produziu e consumiu tanto audiovisual como hoje, mas, de certa forma, houve um processo de polarização e radicalização do mercado. Filmes que contam com o orçamento muito grande e filmes muito baratos. Os grandes contam com os cinemas multiplex, depois com a TV fechada, a TV aberta, janelas de exibição e uma cadeia de remuneração muito grande. Os filmes com baixo orçamento têm mais dificuldade de abrir espaços nesses caminhos e nesse sentido os festivais são fundamentais. A gente tem a tendência de achar que os festivais são exclusivamente eventos culturais, mas eles fazem parte da cadeia econômica do cinema ou de um certo tipo de cinema que não é, necessariamente, os blockbusters lançados pelos grandes estúdios”, analisa o curador do programa BrasilCinemundi.

Também atrás desse tipo de oportunidade, um grupo de realizadores e jornalistas alagoanos, com 35 pessoas, se organizou para estar presente na Mostra de Cinema de Tiradentes. Com um longa e três curtas selecionados para diferentes mostras dentro do evento, a trup buscou um diálogo direto com público, outros realizadores e curadores internacionais para falar de um momento especial do cinema de Alagoas.

O diretor do longa “Cavalo”, que estreou nacionalmente na mostra temática no sábado (1), Rafahel Barbosa, ressalta o evento como janela de visibilidade para o mercado. O longa é o primeiro do formato que chega ao público produzido com recursos do programa Arranjo Regional Ancine/FSAL, em parceria com o Prêmio Guilherme Rogato 2015 da Prefeitura de Maceió-Alagoas.

“A gente tem um desenvolvimento do cinema alagoano de construção de condições de trabalho e política pública que vem se refletindo na evidência cada vez maior dos filmes. Nos últimos anos, tivemos alguns filmes se destacando em festivais importantes como o Festival de Brasília e do Ceará, por exemplo. E isso culminou em termos quatro filmes aqui na Mostra de Cinema de Tiradentes. A nossa presença aqui é muito marcante. Esse é um lugar privilegiado também porque tem a presença de curadores de outros festivais, nacionais e internacionais. Para nós, que somos de uma cena ainda em amadurecimento, Tiradentes tem esse papel de fazer um caminho, inclusive de estar perto desses curadores que vão ver o filme e, se for o caso, levar para festivais internacionais”, destaca Barbosa.

O constante e cada vez mais forte relacionamento entre os festivais também ajuda a fortalecer as diferentes cinematografias mundo a fora. “Tem sido muito bom acompanhar e vivenciar o cinema brasileiro desde a sua retomada em 1994. Os cinemas brasileiro e português construíram laços. Quando nós mostramos os filmes lá fora, eles crescem aqui e o mesmo acontece com os nossos filmes”, pontuou o crítico português Miguel Valverde.

Temporais espantaram turistas

Tradicionalmente considerado um mês de baixa temporada nas cidades históricas mineiras, janeiro começou a ganhar outra conotação a partir da realização da Mostra de Cinema de Tiradentes, que este ano completa a sua 23ª edição. Em 2020, eram esperados 35 mil turistas entre os dias 24 de janeiro e 1º de fevereiro. A maior movimentação, claro, acontece nos fins de semana.

A mostra abre o calendário anual de grandes eventos que a cidade colonial do Campo das Vertentes está acostumada a abrigar. Com um perfil bastante peculiar, formado por profissionais, estudantes e aficionados por cinema especialmente durante os dias úteis, o evento traz uma nova dinâmica para o comércio.

Segundo o vendedor da loja Brasileirinho, Danilo Lopes, essa é uma época de formação de público. A loja, especializada em arte popular brasileira, funciona na rua Direita, em frente ao Centro Cultural Yves Alves, que sedia o evento e onde acontecem os seminários.

“O público da mostra não tem exatamente o mesmo perfil dos nossos clientes. Em média a turma do cinema é formada de gente mais jovem, mas muito interessada em arte no geral. Eles vêm, perguntam, querem aprender. Em boa parte das vezes não compram, mas essa conversa é sempre muito prazerosa. Faz parte também do nosso trabalho de formar um novo público para o futuro. Se não temos um resultado expressivo como na Semana Santa, por exemplo, quando vem aqui um público mais velho, sabemos que estamos plantando para o futuro”, explica Lopes.

Desanimada com a crise econômica e com as fortes chuvas que atingiram especialmente Belo Horizonte e o Rio de Janeiro, a popular dona Luluca reclama do fraco movimento na loja da Associação dos Artesãos de Tiradentes, localizada no Largo das Forras. A praça, que é lugar de passagem obrigatória de todo e qualquer turista, segunda a artesã, já viveu janeiros melhores.

“Já tivemos épocas mais animadas. Sei de muita gente que não veio este ano com medo das chuvas na estrada. Janeiro não é nossa melhor época, mas a mostra sempre trouxe movimento para as ruas da cidade. Este ano está bem mais fraco. Mas não desistimos. O artesanato é uma forma da nossa cultura continuar existindo e as coisas vão melhorar”, volta a se animar dona Luluca.

No mesmo Largo, a Pousada Mãe D’água não registrou diminuição no movimento. Desde o início da mostra, no fim da década de 1990, o estabelecimento recebe, além dos visitantes, parte da organização e dos convidados do evento. Segundo a gerente-geral da Pousada, Tarcila Muniz, a lotação está completa, sendo 35 quartos dedicados exclusivamente à parceria com a mostra.

“Nossa localização é privilegiada e somos muito procurados, preenchendo as vagas rapidamente. Esse é um evento muito bom para o nosso calendário, atraindo pessoas de todo o Brasil”, pontua Tarcila Muniz.

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