Os 40 anos do PT

Tilden Santiago *
Ele nasceu com a imagem de partido vocacionado a liderar e articular os pobres do Brasil, os “damnés de la terre” em solo brasileiro, rumo à libertação.
Em seu aniversário de 40 anos, ele só fala em hegemonizar a esquerda e recusa fazer autocrítica, de fato, com exceção de Olívio Dutra. Acabo de ler entrevista de página inteira de Aloísio Mercadante pelas quatro décadas comemoradas. Para entendê-lo é preciso lembrar que ele foi um dos principais economistas petistas, além de ter sido deputado federal, senador, ministro três vezes e afilhado privilegiado de Lula.
Mercadante condena a crítica ao PT autoflagelante ou autocomplacente. Dois extremos incorretos a serem rejeitados – inclusive pela contribuição que o PT deu ao Brasil, apesar de seus erros, nestes 40 anos. Mais complexa me parece a defesa que ele faz de uma autocrítica” sincera, para fazer inteiramente a correção de suas propostas.
Respeito a disposição e coragem de inúmeros amigos petistas, dirigentes, entre eles Mercadante, de permanecer nele e tentar promover uma profunda restauração no partido, no qual vivi 28 anos (desde a fundação até 2008), como fundador, dirigente, presidente em MG, deputado federal por três mandatos, embaixador do Brasil em Cuba e candidato a senador com 3,3 milhões de votos, do eleitorado mineiro, em 2002, quando Lula foi eleito. Conheci bem a sigla por minha própria vivência, com os amigos que lá permanecem.
No meu entender, o grande mérito do PT foi nascer das greves, no final da ditadura, e tornar-se um grande rio alimentado por importantes afluentes: os sindicalistas combativos, os intelectuais de esquerda que não fechavam com a ortodoxia soviética e o Partidão e os cristãos engajados nas lutas sociais, especialmente os influenciados pelo Concílio Vaticano II, pela Teologia da Libertação, CEBs e Movimentos da Igreja dos Pobres e Fé e Política.
Penso que é praticamente impossível refazer agora essa rica, significativa e histórica articulação de forças sociais e políticas. Quanto aos erros, acho difícil o PT atual reconhecer, como o fez Olívio Dutra publicamente, mesmo permanecendo no partido. Mas Olívio sempre foi a diferença na política e na sigla.
Há pontos difíceis de serem reconhecidos “com sinceridade”, como erros e que foram definitivos no eclipse da agremiação de Lula: 1) a pressa em ocupar o “governo” em detrimento do “poder” democrático e popular e em detrimento da transformação das estruturas da sociedade; 2)o modo como entrou no Planalto, na institucionalidade maior – carta aos brasileiros, flexibilização do partido combativo, Lulinha Paz e Amor; 3) abandono das portas de fábricas, escolas e das ruas; 4)o caráter acentuadamente parlamentar e conciliador da sigla e a troca das massas pelo parlamento; 5)o afastamento das bases; 6)o imperialismo da tendência hegemônica Lulista, enfraquecendo ou expulsando outras, impedindo a diversidade e a pluralidade interna no pensamento e na ação; 7)a ilusão de uma hegemonia dentro da esquerda no Brasil até hoje; 8)o distanciamento de uma visão transformadora e revolucionária da luta política; 9)a dependência excessiva do PT com relação a seu líder maior.
A autocrítica sincera proposta por Mercadante, a meu ver, parece um sonho, uma miragem. Mas é possível autocrítica “sincera” no calor da política?
*Jornalista, embaixador e sacerdote anglicano
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