EDITORIAL | A subversão escancarada

O Congresso Nacional conheceu, ao longo do tempo, excrescências que desabonam seus integrantes e comprometem as importantes atividades ali realizadas. Tudo isso agravado por um comportamento corporativista que dificulta ou impede ações corretivas, que nos casos mais graves deveriam ter como objetivo cortar o mal pela raiz, cassando aqueles que não honram seu mandato, o comportamento e as responsabilidades consequentes. Todos sabemos que este não é o padrão, ficando as cassações como exceção e as mais variadas formas de abuso como regra.
Está ruim e pode piorar. E agora por conta do líder da bancada evangélica, deputado Sostene Cavalcante (PL-RJ), que acaba de apresentar projeto de resolução que dificulta a perda de mandato por cassação, cuja aceitação passaria a depender de 340 votos, ou dois terços do plenário no caso da Câmara dos Deputados, caindo a maioria absoluta, que demanda 257 votos.
Certamente não foi coincidência que a proposição tenha surgido agora, na esteira da condenação do deputado Daniel Silveira pelo Supremo Tribunal Federal (STF), porém beneficiado com imediato – e inadequado – perdão do presidente da República, em mais um caso inédito. O benefício foi dado antes mesmo de completada a tramitação da decisão anterior.
A ordem das coisas evidentemente está sendo subvertida e da pior maneira possível. O parlamentar é protegido, e assim deve ser, exclusivamente, no exercício político de sua atividade, opiniões e decisões, mas sem espaços para abusos ou desvios, inclusive, ou sobretudo, aqueles que derivam para a corrupção. Como já foi dito, o voto e o mandato absolutamente não são equivalentes a uma espécie de cheque em branco, que, custa nada lembrar, não pode ser dado a nenhum agente público. Com o que se pretende fazer agora, caso a opinião pública e lideranças independentes não detenham a manobra em curso, que mesmo na hipótese de ser legal não é ética e funcional, os parlamentares, colados às suas cadeiras, aí mesmo é que não terão mãos a medir, rapidamente fazendo o tal centrão parecer inocente brincadeira.
Não cabem dúvidas de que é preciso reagir, para o que bastará o entendimento que o voto não confere a nenhum parlamentar, a ninguém na realidade, direitos sem limites, como se donos fossem de um poder divino. Sendo o Legislativo o verdadeiro e legítimo centro do poder político, na medida em que teoricamente abriga a vontade coletiva, é simplesmente impensável a tosca tentativa de subversão da ordem.
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