Finanças

Patrimônio pessoal de acionistas está na mira de bancos

Lemann, Sicupira e Telles detêm a maior fatia da rede
Patrimônio pessoal de acionistas está na mira de bancos
Iniciativa do Bradesco, Safra e Santander pretende provar que houve fraude na rede varejista | Crédito: Ueslei Marcelino / Reuters

Depois que o BTG Pactual e o Votorantim executaram dívidas da Americanas levando a companhia a pedir recuperação judicial, grandes bancos agora querem obrigar o trio de acionistas — os bilionários Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles — a ressarci-los com o patrimônio pessoal.

A investida é liderada por Bradesco, Safra e Santander, que ajuizaram ações para a produção de provas nesta semana. Com isso, eles querem atestar que houve fraude na gestão da gigante do varejo, o que abriria caminho para a cobrança de dívidas dos três, de demais acionistas e até de administradores.

Esse caminho é possível por meio da desconsideração da personalidade jurídica —mecanismo excepcional, previsto em lei, que consiste em ignorar a autonomia patrimonial da empresa, em caso de condutas abusivas ou fraudulentas, para que seus acionistas paguem por prejuízos com os próprios bens.

Na ação do Bradesco, o banco pede até que a Justiça autorize imediatamente, por meio de liminar, a busca e apreensão de todas as caixas de e-mail institucional dos diretores, integrantes do Conselho de Administração e do Comitê de Auditoria, dos funcionários da área de contabilidade e de finanças — tanto dos atuais quanto daqueles que ocuparam esses cargos nos últimos dez anos.

Solicita ainda que os backups [documentos arquivados] sejam armazenados pela Justiça, “com o fim de preservar a prova a ser objeto da perícia investigativa que aqui se pede para a verificação dos detalhes da fraude”, conforme o texto da petição.

“Sem querer ceder à tentação de antecipar conclusões, que só virão com o deferimento da tutela postulada nesta petição, o autor [Bradesco] pede licença para destacar que, muito embora a Americanas tenha ‘acabado de descobrir’ um desencaixe bilionário na sua contabilidade, nos mesmíssimos dez anos em que os tais equívocos contábeis foram praticados os seus acionistas distribuíram quase R$ 1,8 bilhão em dividendos, ao passo que seus administradores (os mesmos que elaboravam as demonstrações financeiras da companhia e cujos soldos estavam por vezes vinculados aos resultados da varejista) receberam mais de R$ 700 milhões em pagamentos”, diz o banco na ação.

A ofensiva foi definida pelos bancos frente à recente estratégia da companhia de apontar suposta conivência das instituições financeiras com o caso as “pedaladas contábeis” que estão na raiz da crise da varejista.

Evidências – Nos bastidores, advogados e auditores envolvidos na investigação interna da Americanas afirmam que há evidências de que os bancos esconderam da PwC —empresa responsável pela checagem dos balanços da varejista — operações que permitiriam descobrir dívidas de R$ 20 bilhões não registradas no balanço.

Uma vez por ano, a PwC envia uma carta de circularização aos bancos. O procedimento é padrão. A Folha teve acesso ao questionário, enviado pela firma de auditoria em dezembro de 2022 e 2021 a nove bancos — BTG Pactual, Itaú Unibanco, Bradesco, Santander, Banco do Brasil, Safra, Votorantim, Daycoval e ABCBrasil — com quem a companhia mantém convênio para operações de risco sacado, que estão na raiz do escândalo contábil.

Risco sacado é uma modalidade de crédito em que um fornecedor vende sua mercadoria a prazo ao varejista e, de posse desse contrato de compra e venda, consegue antecipar o recebimento do valor junto a um banco, mediante um desconto no valor; o banco depois recebe a quantia da varejista e cobra juros pela operação.

Um exemplo: um fornecedor que vendeu R$ 100 mil em panelas para a Americanas recebeu R$ 90 mil do banco, que realizou o pagamento na hora. A diferença de R$ 10 mil foi juro cobrado pela antecipação.

Em casos assim, imediatamente após o negócio, o banco entra no sistema digital (on-line) da Americanas e registra que o pagamento (de R$ 100 mil) deverá ser feito ao banco, e não mais ao fornecedor –que vendeu seu crédito (chama-se antecipação de recebíveis).

Nas cartas a que a Folha de S.Paulo teve acesso, os auditores perguntam o saldo da conta de crédito com os bancos e de todas as demais contas abertas. Pediram detalhamento de eventuais operações de investimento (aplicações financeiras), empréstimos de todas as ordens, garantias, operações de câmbio e até de custódia.

Quem participa da investigação na varejista afirma que, nas respostas, os bancos não teriam informado as operações de risco sacado. Não há, contudo, qualquer questionamento específico sobre o risco sacado na carta enviada aos bancos.

Ao Banco Central, no entanto, as instituições financeiras envolvidas teriam informado a exposição total — incluindo o risco sacado —, ainda segundo relatos.

Os bancos afirmam que não precisariam reportar qualquer tipo de informação para a PwC porque, como empresa responsável pela auditoria, ela poderia ter acesso diretamente ao sistema do Banco Central em que essas operações de crédito feitas com a Americanas estão registradas. A companhia não poderia negar o acesso.

Para os bancos, o simples fato de terem pedido a circularização já demonstraria suspeita da auditoria em relação aos números da companhia. (Júlio Wiziack/Folhapress)

Lista conta com 7.720 credores

A Americanas divulgou ontem uma lista de 7.720 credores e dívidas totalizando R$ 41,2 bilhões em seu processo de recuperação judicial.

A companhia, que tem como acionistas de referência o mesmo trio bilionário de investidores que fundou a 3G Capital, pediu recuperação judicial na semana passada, após revelar “inconsistências” contábeis. O movimento levou grandes investidores, como BlackRock e Capital International, a reduzirem suas posições na empresa.

O Deutsche Bank liderava a lista de credores inicialmente divulgada pela Americanas, com US$ 1 bilhão, mas o banco alemão disse posteriormente que não tem relação de empréstimo ou exposição de crédito à companhia.

“O Deutsche Bank não foi afetado, pois não tem uma relação de empréstimo nem qualquer exposição de crédito à empresa em questão”, afirmou.

Bancos com exposição à varejista, de acordo com a lista divulgada pela Americanas, incluem Bradesco, com R$ 4,51 bilhões; Santander Brasil, com R$ 3,65 bilhões; BTG Pactual, com R$ 3,5 bilhões; Itaú Unibanco, com R$ 2,73 bilhões; e Safra, com R$ 2,5 bilhões.

O BV aparecia inicialmente com R$ 3,28 bilhões, mas o banco também informou à imprensa que a lista “não reflete a sua real exposição”. A instituição disse que na data da revelação das inconsistências contábeis da Americanas era credor de Cédulas de Crédito Bancário (CCBs) com saldo devedor de aproximadamente R$ 206 milhões.

Na véspera, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro suspendeu o bloqueio de cerca de R$ 1,2 bilhão da Americanas em poder do BTG Pactual, que havia sido obtido via mandado de segurança impetrado pelo banco de investimentos.

O BTG entrara na Justiça contra decisão que, entre outras matérias, concedia à varejista o direito de reaver valores compensados por credores no âmbito de decisão judicial de 13 de janeiro.

A Americanas também conseguiu decisão favorável contra “arresto/sequestro dos valores reclamados pela companhia e que tinham sido bloqueados pelos Bancos Safra e Votorantim”. O dinheiro bloqueado voltará a ser de propriedade da companhia, no entanto, deverá ser mantido em depósito judicial.

Na véspera, Itaú Unibanco e Bradesco rejeitaram alegações de que os bancos têm responsabilidade na situação da Americanas.

Participação menor

Mais cedo, ontem, a Americanas divulgou que a BlackRock, maior gestora de recursos do mundo, reduziu sua participação na empresa para cerca de 0,12% das ações, mais 0,36% via instrumentos de derivativos. Em dezembro, segundo dados no site da Americanas, essa fatia era ao redor de 5,05%.

No começo da semana, a Capital International Investors (CII) comunicou a companhia sobre a redução de sua participação acionária na varejista de 7,04% para 4,07%. (Reuters)

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