A autonomia do BC e o governo Lula

*Por Márcio S. de Santana
A autonomia do Banco Central (BC) estaria ameaçada no Brasil? O novo governo, recém-empossado, teria alguma intenção de alterar o atual desenho institucional? Essas questões estão sendo feitas por todos os atores interessados no tema neste momento, motivadas pelo teor da entrevista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a jornalista Natuza Nery – exibida no último dia 18 de janeiro, no Edição das 18 da GloboNews –, na qual o mandatário, já ao final da conversa, abordou temas econômicos.
Ao ser questionado se o governo já tinha algo para substituir o teto de gastos, chamado em mais de uma ocasião de “política burra” pelo presidente, Lula adentrou em terreno pantanoso ao criticar a autonomia do BC e o regime de metas de inflação – fixada em 3,25% para este ano –, assim como ressaltar a insatisfação de seu governo com os juros elevados – a Selic está em 13,75% ao ano. Logo, qual será o cenário plausível: (i) nova institucionalidade para o BC ou (ii) embates entre o governo Lula e o BC sobre os juros altos?
(i) Nova institucionalidade para o BC traria um desgaste político enorme, considerando a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Teto de Gastos e os atos golpistas de 8 de janeiro. Dessa maneira, não há espaço político para tal tipo de ousadia. Ademais, como a autonomia do BC foi aprovada em 2021, seria um contrassenso gastar capital político para tal movimento, sobretudo um governo eleito sob a bandeira da normalidade institucional, tendo como slogan “União e reconstrução”.
(ii) Cenário mais provável, pois não envolve o gasto de capital político junto ao Congresso, diretamente ao menos, os embates entre atores do primeiro escalão do governo Lula e o Banco Central podem se tornar cada vez mais frequente. A fala presidencial é um indicativo disso. Ao que tudo indica, o governo vem usando a tática do “bate e assopra”, isto é, imediatamente uma declaração mais contundente sobre a atuação do BC vem uma declaração de um ministro para acalmar os “ânimos dos mercados”.
A agenda econômica sinalizada pelo novo governo havia sido o equilíbrio das contas públicas, a reforma tributária e um novo arcabouço fiscal, apesar de não ter sido divulgado maiores detalhes operacionais. De todo modo, resta lembrar que o tema é preocupante em razão do histórico do Partido dos Trabalhadores (PT). Como é de conhecimento público, as posições do PT são extremamente negativas, sendo a autonomia vista como uma afronta à soberania nacional e popular, favorecendo, dessa maneira, as grandes instituições financeiras.
Não há qualquer indicativo de que o governo vá radicalizar e apresentar projeto de lei para alterar o atual modelo institucional do BC, cujo objetivo principal é “assegurar a estabilidade de preços” (Lei Complementar nº 179/2021). Contudo, são inegáveis os indícios de enfrentamentos entre governo e BC nos próximos meses, no que se refere à alta da taxa básica de juros. Nesse cenário, ao contrário do que afirmou o presidente, o Congresso Nacional foi assertivo ao aprovar o atual modelo institucional de autonomia, visando fornecer alguma proteção aos potenciais arroubos políticos conjunturais.
*Doutor em História e professor Associado na Universidade Estadual de Londrina
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