“A Terceira Margem” na Casa Fiat de Cultura

Quais histórias um conjunto de imagens pode formar? Em “A Terceira Margem”, nova exposição da Casa Fiat de Cultura, o artista Henrique de França apresenta sete obras em lápis sobre papel que reconstroem a realidade a partir da justaposição de imagens antigas e oníricas. Figuras humanas e paisagens comuns convidam o visitante a explorar as diversas possibilidades do imaginário e a criarem suas próprias narrativas a partir do que é visto na tela. A exposição “A Terceira Margem” será inaugurada hoje e fica em cartaz até 16 de abril, na Piccola Galleria. Na abertura, será realizado um bate-papo online com o artista, hoje, às 19h, com inscrições gratuitas pela Sympla.
Para criar seus trabalhos, Henrique escolhe fotografias antigas, de forma aleatória e sem qualquer relação sentimental com as imagens, e, a partir daí, reconfigura os elementos que, posteriormente, servirão de inspiração para os desenhos. As figuras – bastante comuns nas pequenas e médias cidades brasileiras – ganham ares fantasiosos, tanto pela técnica empregada, quanto pelo resultado final: sobreposições insólitas, que parecem nascidas de um estado de consciência que transita entre o desperto e o mundo dos sonhos. “Cada desenho carrega uma série de questões e leva o visitante a buscar suas próprias respostas. As imagens não precisam fazer um sentido imediato, mas instigar os visitantes a refletirem sobre diferentes narrativas, que se cruzam com a história de cada um”, analisa.
Ao recriar essas fotografias por meio do desenho, o artista investiga a identidade brasileira, suas histórias e costumes, cruzando a memória individual e a coletiva a partir do que é registrado pelas lentes. Os trabalhos também têm diálogo íntimo com a linguagem cinematográfica, uma vez que cria cenas – de forma semelhante a um storyboard – e interações artificiais entre os objetos e as pessoas.
O nome da exposição é uma clara referência ao conto “A terceira margem do rio”, de João Guimarães Rosa. Essa importante e poderosa metáfora resume a busca humana de residência fixa em solo de fluxo constante. Enquanto o personagem do conto busca a sua terceira margem ao abandonar toda a família e passar a vida em um canoa, sem nunca mais saltar, Henrique de França navega entre as fronteiras da normalidade e do espanto, entre o sentido e o não-sentido. Assim como na obra de Guimarães, a mostra leva o público por um percurso cheio de perguntas e lacunas que podem ou não ser completadas pelo espectador.
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O professor de filosofia e história da arte Ruy Luduvice, que assina um dos textos da exposição, aponta que os trabalhos se apresentam, ao mesmo tempo, inquietantes e familiares. “Mas são esses opostos que se contrapõem em jogo que constrói os desenhos e nos convida para a região almejada pelo artista, a terceira margem”, observa.
A exposição “A Terceira Margem” se destaca pela técnica e composição das obras. A partir de arquivos fotográficos – da família, de álbuns de amigos, da internet e de desconhecidos –, ele inicia o processo de criação que resulta em cenários figurativos, que transitam entre paisagens comuns e ilusórias.
As obras de “A Terceira Margem” impressionam pela qualidade técnica do desenho. Henrique de França é capaz de obter efeitos reais, utilizando técnicas como claro-escuro, pontos de fuga e volumetria. Tendo a água como ponto em comum, direta ou indiretamente, as obras são repletas de elementos que podem parecer deslocados, excessivos ou incompletos.
Mas, para além do que se vê na tela, aquilo que não está desenhado é o que dá força ao resultado final. O que não foi dito? O que não foi feito? Os espaços em branco interrompem gestos e criam margens na superfície do próprio papel, conferindo um tratamento cinematográfico às imagens que, aqui, ganham projeções fantasmagóricas.
Henrique de França (São Paulo, 1982) é graduado em artes visuais e atua primordialmente no campo do desenho, partindo de acervos fotográficos públicos e privados, dos quais recolhe imagens que são colocadas em novos contextos, numa investigação da identidade brasileira, suas histórias e seus costumes, criando novas narrativas ao entrecruzar memória individual e coletiva em diálogo com a linguagem cinematográfica. Participou de mostras nacionais e internacionais, em galerias, museus e instituições culturais, como “Algumas Histórias Sobre Nós” na Danielian Galeria (2022), no Programa de Exposições do Marp (2016), no World Bank Art Program em Washington DC, EUA (2011) e em “Desenho Ocupado” na Galeria Leme (2009), entre outras. Foi premiado no programa “Arte Como Respiro”, do Itaú Cultural (2020), no Salão Novíssimos da Galeria Ibeu (2019), e no Salão de Arte de Mato Grosso do Sul (2011), entre outros.
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