Governança, oportunidades e títulos

Carlos Diehl, Ênio Coradi, Juliana Cordeiro, Monica Cordeiro e Thiago Dória *
O futebol brasileiro está realmente entrando na era da gestão profissional, responsável e transparente?
O Fórum de Governança para Clubes de Futebol, iniciativa promovida pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC desde 2021, chega à sua 2ª Edição com a participação de dirigentes e especialistas de várias regiões do País, e tem aprofundado significativamente o debate sobre temas sensíveis do setor.
Num setor de tamanha relevância e volume de negócios no mundo inteiro, não parece haver futuro sustentável para o futebol brasileiro sem o compromisso com a boa governança: organização e planejamento geram bons resultados financeiros, que permitem maiores investimentos em atletas e estrutura, o que tende a aumentar as chances de melhores resultados esportivos.
O diálogo seguirá em 2023 com o aprofundamento dos temas referentes ao processo de planejamento estratégico dos clubes, às finanças no futebol, ao papel do torcedor e à agenda socioambiental necessária, entre outros. As conclusões dos primeiros encontros, porém, já merecem registro.
Governança, integridade e transparência? Fundamentais – Independente da formação, tamanho ou localização do clube, é muito difícil se manter competitivo no futebol sem um objetivo bem estruturado e uma gestão comprometida em atender a esse objetivo. Hoje, além de perder competitividade, clubes que ainda são geridos de forma intuitiva, abnegada e amadora estão colocando em risco a própria existência e a experiência de grandes clubes no Brasil e no mundo demonstra que o sucesso nas quatro linhas é muito mais frequente e perene quando há compromisso com a organização do negócio.
No decorrer dos encontros, os depoimentos confirmaram a importância fundamental da disciplina orçamentária e da gestão de custos, mas também destacaram as dificuldades internas na implementação deste rigor, que pode impactar nos resultados esportivos de curto prazo. Um dos grandes desafios no mundo da gestão e da governança de clubes de futebol, portanto, está na “blindagem” de uma gestão financeira responsável em face dos reclames apaixonados (e impacientes) da torcida.
Sobre a Sociedade Anônima do Futebol – SAF (Lei 14.193/2021) – Embora a Lei da SAF seja recente (agosto de 2021), há notícia de que já foram constituídas quase 30 SAFs, havendo aproximadamente mais 60 em processo de negociação – o que é bastante relevante no universo de cerca de 850 clubes de futebol no Brasil. Se o primeiro intuito da legislação era estabelecer as bases para que a iniciativa privada aportasse no futebol, com segurança jurídica e condições tributárias similares às das associações, pode-se dizer que a iniciativa tem obtido êxito.
Esta movimentação também mostra que a SAF não é apenas (mais uma) tábua de salvação para clubes em dificuldades financeiras. Para muito além, a constituição de uma SAF pode (e deverá) acelerar a implementação de estruturas de governança, e de melhores processos de decisão, de análise de risco, e de controles internos, apresentando-se como valiosa alternativa aos clubes na busca de melhores resultados e de perenidade.
Os debates deixaram claro que SAF não é o único caminho, e que associações bem organizadas – com visão e jornadas consistentes de governança – são plenamente capazes de levar a cabo os desafios dos clubes no futebol atual. Inegável, porém, que as SAFs realmente podem ser um grande passo em direção à boa governança, principalmente em clubes que ainda não conseguiram priorizar esta transformação sozinhos. De qualquer forma, os requisitos previstos na Lei da SAF podem inspirar os clubes associativos a adotarem mais práticas de governança responsáveis, até porque o mercado mudará (já está mudando) e exigirá maior assertividade.
Mas o caminho inverso também pode ocorrer. Aliás, é possível que as melhores oportunidades de constituição de SAFs e atração de investidores surjam justamente para as associações com maior nível de governança, integridade e transparência, e a recém-aprovada sociedade entre o Esporte Clube Bahia e o City Football Group parece confirmar isso. As experiências na gestão das SAFs de Vasco, Botafogo, Cruzeiro, e outras em fase final de formatação, certamente trarão outros aprendizados que também estão no radar dos participantes do Fórum.
Dessa forma, escalar a governança para o setor de futebol, independente do modelo de formação da instituição do clube, tem sido (e deve continuar sendo) um grande diferencial de sucesso. Em pouco tempo, se tornará indispensável.
A grande indústria do futebol – Sim, já assistimos ao futebol-arte, torcida, paixão durante um bom tempo. Hoje, além de todo esse caldo cultural, um grande negócio se desenvolveu ao seu redor e o futebol compõe a indústria do entretenimento, atraindo investimentos do mundo inteiro. Por isso, os clubes precisam se adaptar à lógica estratégica desse negócio: “muito além da bola, muito além do dia do jogo, com potencial de geração de receita várias vezes superior ao que é arrecadado hoje”, como
manifestado por um dos especialistas presentes no Fórum.
Sobre o crescimento desta indústria, merece destaque o potencial de novas receitas no mundo digital, a otimização das negociações de direitos de transmissão (inclusive com a internacionalização da transmissão e a possível organização de uma liga) e o desenvolvimento dos novos produtos além do jogo – considerando o tamanho, a relevância e a paixão de um público (torcida) cujas demandas merecem melhor entendimento e maior aproveitamento. As experiências europeias e norte-americanas,
não só no futebol, mas em outros esportes, apontam as enormes possibilidades.
O desenvolvimento de clubes e competições em outros países também fornecem pistas dos caminhos a seguir, e o entendimento do mundo do futebol a partir de um benchmarking amplo leva à compreensão de que o futebol também evoluiu muito no que tange à velocidade, à intensidade e à qualidade do jogo, além do condicionamento físico dos atletas – e tudo envolve infraestrutura, tecnologia e muito investimento.
As oportunidades são muitas, mas o crescimento do negócio futebol (para além do que hoje existe) exigirá uma profissionalização crescente de seus agentes. Os pilares da governança que farão a diferença (transparência, prestação de contas, equidade e responsabilidade corporativa) não são construídos da noite para o dia, e a melhor receita para alcançar estes resultados é começar logo, com formação de lideranças e a estruturação de colegiados competentes e plurais. A notícia animadora é que a jornada
de implementação da governança já começou em muitos clubes e a criação de um ambiente que compreenda e valorize essa governança também já dá sinais de transformação no setor.
No próximo encontro, debateremos as vantagens e desafios de um bom planejamento estratégico nos clubes de futebol, com exemplos e experiências de que isso é possível e vantajoso para vários tipos de clube. Quer saber mais? Participe conosco deste debate!
*Participantes do Fórum de Governança para Clubes de Futebol.
Ouça a rádio de Minas