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A literatura de Ailton Krenak

A literatura de Ailton Krenak
Crédito: Facebook/Ailton Krenak

Rogério Faria Tavares*

Eleito com 36 dos 39 votos, na sucessão do saudoso Eduardo Almeida Reis, para a cadeira de número 24 da Academia Mineira de Letras, Ailton Krenak tomará posse como membro da instituição no dia 3 de março. O discurso de recepção será feito pela acadêmica Maria Esther Maciel. Amigo e colaborador da Casa de Alphonsus de Guimaraens e de Henriqueta Lisboa, Ailton foi o organizador, junto com a professora Maria Inês de Almeida, da UFMG (e, agora, da Universidade Federal do Acre), do dossiê sobre a poesia indígena em Minas, publicado no número 81 da revista da AML, conteúdo integralmente disponível no sítio da agremiação na internet.

Conhecido como um dos mais influentes pensadores contemporâneos, Ailton é autor de importante obra sobre algumas das questões que mais afligem o mundo de hoje. Seus livros já estão traduzidos para mais de treze países e sua voz é ouvida e respeitada nos mais importantes fóruns internacionais. A leitura de três de suas produções mais conhecidas me impactou fortemente, tanto pela contundência de sua mensagem quanto pela originalidade e a coragem com que expõe suas inquietações.

Em “Ideias para adiar o fim do mundo” (Companhia das Letras, 102 páginas), o autor se pergunta como construímos a ideia de humanidade, conceito que, para ele, hoje limita nossa capacidade de invenção, criação, existência e liberdade. Outro ponto fundamental é a defesa de que “tudo é natureza. O cosmos é natureza. Tudo em que eu consigo pensar é natureza”, não havendo a possibilidade de distinguir a espécie humana da natureza e do planeta que a abrigam. Mais adiante, Ailton é claro: “Precisamos ser críticos dessa ideia plasmada de humanidade homogênea na qual há muito tempo o consumo tomou o lugar daquilo que antes era cidadania. José Mujica disse que transformamos as pessoas em consumidores, e não em cidadãos. E nossas crianças, desde a mais tenra idade, são ensinadas a serem clientes.”

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Já em “A vida não é útil” (Companhia das Letras, 126 páginas), Ailton contesta a ideia de ‘modernidade’: “Estamos viciados em modernidade. A maior parte das invenções é uma tentativa de nós, humanos, nos projetarmos em matéria para além de nossos corpos. Isso nos dá sensação de poder, de permanência, a ilusão de que vamos continuar existindo”. Com o olhar atento e sensível, ele enxerga também os movimentos em favor da vida: “Em diferentes lugares, tem gente lutando para este planeta ter uma chance, por meio da agroecologia, da permacultura. Essa micropolítica está se disseminando e vai ocupar o lugar da desilusão com a macropolítica. Os agentes da micropolítica são pessoas plantando horta no quintal de casa, abrindo calçadas para deixar brotar seja lá o que for. Elas acreditam que é possível remover o túmulo de concreto das metrópoles.”

Em “Futuro Ancestral” (Companhia das Letras, 122 páginas), Ailton constata, com tristeza, que “os humanos estão aceitando a humilhante condição de consumir a Terra” e faz uma crítica potente ao modo como organizamos as nossas cidades: “A cidade virou a caixa-preta da civilização. O corpo da Terra não aguenta mais cidades, pelo menos não essas que se configuram como uma continuidade das pólis do mundo antigo, com gente protegida por muros, e o resto do lado de fora (…) as metrópoles são um sorvedouro de energia”.

*Jornalista. Doutor em literatura. Presidente da Academia Mineira de Letras

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