STF decide que autoridades podem pedir dados de usuários

Brasília – Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram, por unanimidade de votos, que autoridades brasileiras podem requisitar dados sigilosos de usuários diretamente a representantes no País de grandes empresas de tecnologia, como Facebook e Google.
Em julgamento finalizado no final da tarde de ontem, os ministros analisaram se esses pedidos de informação deveriam ser feitos por meio de uma cooperação internacional chamada MLAT (sigla em inglês para tratado de assistência jurídica mútua); ou se poderiam ser endereçados diretamente às representantes das empresas no Brasil.
Os ministros entenderam que as duas opções são possíveis. Na prática, solicitações diretas às representantes das empresas aumentam a capacidade das autoridades de obter os dados desejados, uma vez que a cooperação internacional possui um trâmite mais demorado e as sedes das big techs no exterior possuem meios de protelar ou mesmo não atender às solicitações.
O ministro Luís Roberto Barroso se declarou suspeito porque já advogou para uma empresa de tecnologia em processo sobre o acordo de cooperação, antes de virar ministro. O relator do caso foi o ministro Gilmar Mendes.
O processo foi apresentado ao STF pela Federação das Associações das Empresas de Tecnologia de Informação (Assespro), que à época contratou o escritório de advocacia do ministro aposentado Ayres Britto para defender a causa à corte da qual ele fez parte.
Para a associação, não se pode pedir a uma empresa afiliada no Brasil o cumprimento de ordens judiciais que deveriam ser feitas a firmas dos Estados Unidos ou de outros países, por meio de acordo de cooperação jurídica internacional.
Essas empresas, diz o pedido, “têm o seu próprio direito ao princípio do contraditório e da ampla defesa, no âmbito de um peculiar ‘devido processo legal’”.
Já a Procuradoria-Geral da República (PGR) defendeu que restrições à capacidade de autoridades brasileiras de obterem diretamente dados e comunicações coletados por empresas que prestam serviços no Brasil gerariam “imenso prejuízo a investigações em andamento e ações penais já transitadas em julgado”.
Insatisfatórios
O Ministério da Justiça já classificou os pedidos via MLAT de “insatisfatórios” para a obtenção desse tipo de informação com o objetivo de subsidiar inquéritos criminais.
Investigadores de casos que envolvem o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores afirmaram que uma decisão do STF pelo uso da MLAT poderia impactar diretamente nos casos porque o uso da cooperação internacional facilita o descumprimento ou acarreta em demora no envio dos dados.
O inquérito dos atos antidemocráticos, por exemplo, conseguiu de forma inédita acessar dados do Facebook sem a necessidade de uso da cooperação internacional. A plataforma é parte no processo que será analisado pelo STF. (Constança Rezende/Folhapress)
Barroso defende mudar o Marco Civil da internet
Paris – Em fala em conferência da Unesco, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, defendeu a flexibilização do Marco Civil da Internet para casos de incitação a crimes, terrorismo e pornografia infantil.
O Marco Civil, de 2014, é a principal lei que regula a internet no Brasil e determina que as plataformas só podem ser responsabilizadas civilmente por conteúdos de terceiros se não cumprirem ordens judiciais de remoção.
Para Barroso, as empresas deveriam ter o dever de agir mesmo antes de ordem judicial em casos de postagens ilegais, inclusive conteúdo que viole a Lei do Estado democrático de Direito, que proíbe pedidos de abolição do Estado de Direito, estímulo à violência para deposição do governo ou incitação de animosidade entre as Forças Armadas e os Poderes.
“No caso de comportamento criminoso claro, como pornografia infantil, terrorismo e incitação a crimes, as plataformas deveriam ter o dever de cuidado de usar todos os meios possíveis para identificar e remover esse tipo de conteúdo, independentemente de provocação (judicial)”, disse Barroso em plenário da conferência “internet for Trust”, que debate diretrizes globais para regulação da internet.
A responsabilização das plataformas antes de ordem judicial está no cerne da controvérsia sobre a nova regulação da internet em discussão pelo governo. O Ministério da Justiça quer incluir no projeto de lei 2630, conhecido como o PL das Fake News, punição às plataformas de internet que não agirem contra conteúdo que viole a lei.
Para uma ala do governo, caso a proposta não incorpore esse ponto, a regulação será inócua, porque manterá a imunidade das redes. Parte da sociedade civil, do Congresso e todas as plataformas, por outro lado, afirmam que a responsabilização levaria empresas a se censurarem ao remover conteúdos legítimos para evitar sanções.
Na Unesco, Barroso afirmou que a responsabilidade das plataformas por conteúdos de terceiros deve ser “razoável e proporcional”. Para isso, haveria o dever de remoção pró-ativa de conteúdo ilegal.
Já em casos de clara violação de direitos de terceiros, como compartilhamento de fotos íntimas (algo já previsto no MCI, o revenge porn) e violação de direitos autorais, as empresas deveriam remover o conteúdo após notificação das partes interessadas, afirmou Barroso.
Em todos os outros casos, “em áreas de penumbra onde há um grau razoável de dúvida”, a remoção só será obrigatório após uma primeira ordem judicial.
“A minha posição não mudou, foram os tempos que mudaram e temos hoje uma série de ameaças novas na esfera digital, como ataques à democracia e ao sistema eleitoral e extremismo”, disse Barroso à Folha de S.Paulo.
O STF pode julgar este ano uma ação que debate a legalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet.
Em palestra na Sciences Po na quarta (22), Barroso já havia antecipado sua mudança de posicionamento em relação à responsabilização das plataformas. E afirmou: “Precisamos fortemente de regulação para chegar a um equilíbrio entre evitar o perigo do chamado chilling effect (autocensura) e também ataques contra a democracia”.
Segundo ele, “quando há interesses constitucionais que se chocam, tenta-se fazer concessões para harmonizar os interesses. Se isso não é possível, é preciso escolher um deles. E eu escolho a preservação da democracia.” (Patrícia Campos Mello/Folhapress)
Ouça a rádio de Minas