Opinião

Um ano de guerra na Ucrânia e suas consequências

Um ano de guerra na Ucrânia e suas consequências
Crédito: Reuters/Oleksandr Ratushniak

Igor Lucena*

Estamos completando esta semana um ano do início da guerra na Ucrânia e com ela presenciamos uma mudança fundamental nas relações internacionais, na economia global, e vimos como o mundo se organizou até então. Em 1989 o célebre e renomado escritor Francis Fukuyama publicava seu artigo “O Fim da História”, que marcava o fim da Guerra Fria e o início de uma dominância internacional das democracias liberais sob a liderança dos Estados Unidos como única superpotência.

Entretanto, infelizmente ele não poderia estar mais errado em suas premissas. Se por um lado vivíamos um momento de exacerbação das ideias das democracias liberais, por outro havia um ‘ovo de serpente’ formando-se com a ascensão da China, a tomada do poder na Rússia por Vladimir Putin e a expansão do poder financeiro das dinastias autoritárias no Oriente Médio. 

Há um ano as nações deixaram de colocar as relações comerciais e o desenvolvimento econômico como preocupação número 1. Após a invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022, as nações passaram a colocar a segurança em 1º lugar.

O objetivo de Vladimir Putin de realizar um Blitzkrieg e tomar todo o território ucraniano em poucas semanas foi inicialmente uma derrota vergonhosa e mostrou que o exército russo não era tudo aquilo que o mundo imaginava. Cruzou-se a linha vermelha em que nações como a Estônia, a Moldávia, a Lituânia e a Polônia entenderam que uma derrota da Ucrânia seria o início de uma onda de invasões para outras nações vizinhas, como ocorreu, em 1939, com a Polônia.

 Ao mesmo tempo em que a ameaça de uso de armas atômicas tornou-se real em palavras vindas do Kremlin, nações como a Finlândia e a Suécia, que não tinham intenção alguma de se associarem à Otan, por terem proximidade com a Rússia, se viram pressionadas por suas próprias populações a aderir à associação militar.  

 Os europeus, bastante divididos a respeito de quais rumos deveriam tomar dentro do Conselho Europeu ou no Parlamento da União Europeia, nunca estiveram tão unidos em vista de seus objetivos. Entendem conjuntamente a necessidade de superar sua dependência energética da Rússia, de congelar seus ativos e diminuir o poder dos seus oligarcas.

Neste contexto, o final de 2022 expandiu o poder militar dos ucranianos. Tanques alemães e americanos de última geração, drones, baterias antiaéreas, armas automáticas e uma incontável quantidade de munições chegam a Kiev todos os dias.

 Por um lado, nações desenvolvidas, aquelas consideradas democracias liberais, passam a unir-se em torno da defesa do liberalismo, das liberdades individuais, do sistema democrático e de um modelo de organização social que é o melhor que já existiu até os dias de hoje. Essas nações também já passaram por momentos de guerras terríveis ao longo da sua história e não querem que isso se repita. Nesse grupo temos todos os membros da Otan, a União Europeia, a Coreia do Sul, o Japão, a Austrália, a Nova Zelândia e até mesmo a Suíça, que historicamente nunca toma lado em conflitos internacionais e passou a congelar ativos russos em seu país.

Do outro lado, nações que têm um baixo ou nenhum índice democrático, mas que utilizam o sistema capitalista liberal como meio econômico para expandir seus interesses autoritários, se mostram a favor da Rússia e concordam com os motivos de Putin para a invasão; são elas a Coreia do Norte, a China, a Venezuela, Cuba, o Irã e a Síria. Essas nações entendem que podem um dia estar na mesma situação e avançar sobre territórios em disputa ou em outros países, por isso visam também seus próprios interesses.  

Na economia, tanto a pandemia quanto a guerra na Ucrânia geraram uma brutal desaceleração do processo de globalização, a necessidade de volta dos estoques de fornecedores e insumos. Estamos assistindo às empresas mudarem suas estratégias a nível global. Se antes o capitalismo tinha como base vender pelo maior preço com o menor custo possível, agora a necessidade é de que uma empresa possa continuar vendendo. 

Para atender aos Estados Unidos, nações como o México e o Brasil passam a se tornar centros importantes dessa realocação mundial de fornecedores. Todavia, para isso precisamos criar condições de atrair novos fluxos de investimentos, principalmente com a reforma tributária, com acordos internacionais de comércio e com a consolidação da modernização do Estado. A guerra da Ucrânia mudou a geopolítica e a economia global de uma maneira tão radical que a última vez que isso ocorreu foi em 1945. Neste novo cenário internacional, o Brasil precisa entender que essa é uma oportunidade a qual ele não pode perder. Se por um lado tal mudança pode alavancar a participação do Brasil no comércio internacional e no cenário global, elevando a importância de suas empresas e ampliando as oportunidades de emprego em nosso país, por outro lado se perdermos este momento e o México e outras nações conseguirem aproveitar os frutos dessa mudança, estaremos em uma situação pior do que a que nos encontramos hoje. 

Se perdermos esta oportunidade, talvez a próxima ocorra apenas no século XXII.

*Economista, empresário e Doutor em Relações Internacionais na Universidade de Lisboa

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