EDITORIAL | Condenados ao atraso?

A indústria automotiva, ou de material de transporte em geral, caminha, com velocidade, para o que bem poderia ser chamado de um segundo ciclo nos seus pouco mais de cem anos de existência. Os motores a explosão, de baixa eficiência e altamente poluidores, já estão sendo substituídos por motores elétricos, num processo em que a China tomou a dianteira e empresas tão tradicionais quanto a sueca Volvo já anunciam o fim da produção de modelos convencionais. É a primeira etapa, muitos acreditam, de mudanças ainda maiores, em que motores alimentados por hidrogênio fornecido por células de combustível serão predominantes.
Nessa corrida, e apesar do anúncio da instalação de fábricas de baterias e de veículos em diversos pontos do País, Minas Gerais inclusive, existem riscos de um movimento contrário, regressivo e, pior, veladamente conduzido pela Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores, a Anfavea. Acomodação e, sobretudo, interesse em minimizar investimentos e potencializar ganhos, ainda que à custa do atraso. Seu argumento, que divide as grandes montadoras instaladas no País, parece interessante à primeira vista. Argumenta-se que temos o etanol, que pode ser produzido em volumes suficientes para abastecer toda a frota, aí incluídos, no máximo, veículos híbridos. Algo não muito diferente de tentar parar todos os relógios, tentar parar o tempo, condenando a indústria brasileira ao atraso eterno.
Em terras tropicais, parecem sugerir mais uma vez, tecnologia e modernidade são dispensáveis, até porque não teríamos consumidores, por sinal os mesmos que compram os automóveis comparativamente mais caros do planeta, com recursos suficientes para consumir tanta sofisticação. Um jogo absolutamente sujo e que lembra os tempos em que as montadoras desativavam linhas obsoletas em seus países de origem e as transferiam para o Brasil, condenando sua indústria ao atraso enquanto os usuários, que não tinham acesso a importações, que se contentar com muito pouco.
É preciso, portanto, chamar atenção, muita atenção para o que está acontecendo, mais uma tentativa de nos condenar ao atraso. É preciso, sobretudo, que a esfera pública, em cujas tetas o setor sempre viveu pendurado, não permita que o movimento prossiga e, sobretudo, que, à semelhança do que foi feito na maioria dos países, ofereça incentivos, até subsídios à consolidação das mudanças e, na ponta, à eletrificação da frota. Porque não podemos, definitivamente, aceitar passivamente a condenação ao atraso, o que, numa perspectiva de médio prazo, poderá significar também que a indústria, tal como a conhecemos, não terá condições de sobrevivência.
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