Dívida pública, juros, inflação e BC

Nair Costa Muls *
Entre as questões mais importantes do atual momento do governo Lula estão a dívida pública, a alta taxa de juros e o nível da inflação, assim como a independência do BC. Questões que dizem respeito ao futuro do Brasil e que o cidadão comum não entende e não conhece, mas sofre com as suas armadilhas.
André Lara Rezende, no jornal Valor Econômico de 07/02/23 (“O princípio fiscal e a realidade”), mostra que as contas púbicas de 2022 apresentaram um superávit de R$126 bilhões, ou seja, 1,3% do PIB; e nesse contexto, a dívida pública caiu para 73,5%, ou seja,1,2% em relação ao PIB. Em outros termos, a dívida pública brasileira, segundo o economista, não é alta: é mais baixa que a dos países desenvolvidos, acompanhando os números dos países em desenvolvimento. Além disso, essa dívida pública é interna, em moeda nacional, detida pelos residentes do País, ou seja, pela população que poupa. E mais, dentro desse quadro, o País não tem dívida externa e tem 20% do PIB em reservas internacionais.
or outro lado, a questão da moeda também é importante: a moeda é um serviço público e não uma mercadoria: unidade de conta fiduciária, ativo a ser usado para trocas e para pagar impostos.
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Tanto a dívida pública quanto a moeda prestam serviço aos poupadores, aos consumidores, às empresas e a todos os agentes econômicos que precisam consumir ou transferir poder aquisitivo sem correr riscos. Portanto, são bens indispensáveis ao funcionamento da economia.
Todavia, a questão das taxas de juros é outro problema. A taxa básica de juros (Selic) é determinada pelo BC e por ele controlada. Ora, como no momento elas estão muito altas, como fica a inflação?
Boulos (em um de seus “Café com Boulos” lembra que a taxa Selic tem aumentado constantemente. Quando ela aumenta os juros sobem, o que implica em menor possibilidade de empréstimo e também menor consumo.
As taxas de juros a longo prazo são fixadas pelo mercado, instituições financeiras que operam com a dívida pública, com base nas estimativas que fazem sobre a provável trajetória da taxa básica.
Ora, a taxa de juros elevada aumenta a inflação. Segundo Boulos (e outros analistas), a inflação está altíssima. E não é uma inflação de demanda, mas uma inflação de custos, causada pela oferta global de certos produtos, como o petróleo e os alimentos.
Segundo Ladislaw Dowbor (“A dívida Pública é um ativo sem risco”, entrevista no canal Resistentes), a taxa de juros no Brasil é a mais alta do planeta (13,75%) e, o pior, como os juros altos são atraentes, o dinheiro é desviado da atividade produtiva e é utilizado para aumentar a renda. Renda pessoal e institucional, desviando-se, assim, não só das atividades produtivas, como das políticas sociais (educação, saúde, saneamento etc). Os favorecidos são os grupos financeiros e acentuam-se as desigualdades sociais.
O empobrecimento da população é um fato concreto. Segundo a Unicef, 32 milhões de crianças e adolescentes brasileiros vivem na pobreza. Como se pode perceber, para que a economia possa crescer é fundamental e urgente a redução da taxa de juros.
Como diz bem a economista Maria da Conceição Tavares, professora da USP, a economia é uma ciência social e deveria ser entendida como economia política e não simplesmente economia; ajuntando-se a isso um bom conhecimento da História, poder-se-ia então contribuir para o desenvolvimento do Brasil e de todo seu povo em seus diferentes segmentos sociais, ajunta a professora.
Nesse contexto, qual o papel do Banco Central? Estabelecer o regime de metas da inflação e uma taxa de juros que criem condições favoráveis aos formadores de preços e os detentores da riqueza, promova estabilidade geral dos preços e reduza a amplitude das flutuações da renda e do emprego (Luiz Gonzaga Belluzzo, in CartaCapital 15/02/23).
Assim sendo, o BC não pode estar independente da política econômica do governo. E essa independência do BC, assim como as políticas de metas de inflação e adoção de taxas de câmbio, está sendo questionada (desde 09/2019) também por economistas conceituados (Comittee on International Economic and Policy Reform), acadêmicos, ex-presidentes de BC, ex-ministros de Finanças), segundo os quais pode até haver Independência – sem pressão do governo ou do Parlamento – mas abalizada por consultas, diálogo com os políticos e com a opinião pública e coordenação com outras políticas econômicas e sociais.
O manifesto elaborado pelo atual governo com 3.680 assinaturas, assinado por nomes como Luiz Carlos Bresser Pereira, Paulo Nogueira Battista Jr, Luiz Gonzaga Belluzzo e Luciano Coutinho, pede urgência da queda de juros, exageradamente elevada. O manifesto recomenda uma nova política econômica que possibilite “o crescimento e a prosperidade compartilhada por todos.” Mas há também a necessidade urgente de que esse processo – e a questão do dinheiro – seja entendida pelo cidadão comum.
*Pós-doutora em Sociologia, professora aposentada da UFMG/Fafich
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