Bancos no País não devem ser afetados diretamente

São Paulo – Analistas e gestores não veem efeitos diretos nos bancos brasileiros decorrentes do colapso do Silicon Valley Bank nos Estados Unidos ou mesmo da crise experimentada pelo Credit Suisse na Europa, eventos que têm gerado preocupações sobre a resiliência do sistema bancário global.
“Não consigo enxergar qualquer tipo de impacto mais relevante no Brasil”, afirmou Carlos Kawall, sócio-fundador da Oriz Partners e ex-secretário do Tesouro Nacional, referindo-se principalmente ao episódio do SVB, fechado na semana passada. “Não é o mesmo tipo de risco que vimos em 2008.”
Para Kawall, os problemas envolvendo o Credit Suisse causam mais preocupação, pelo porte da instituição. “O impacto é mais forte nos mercados”, afirmou. Mas ele ponderou que ainda é preciso ver como tudo se desenrola.
O SVB foi fechado por reguladores na semana passada, desencadeando uma rápida ação de autoridades, entre elas o Federal Reserve, para conter potencial contágio no sistema bancário. Os mercados ainda se recuperavam do abalo quando ontem o Credit Suisse trouxe de volta o nervosismo.
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As ações do segundo maior banco da Suíça chegaram a afundar mais de 30% nesta sessão, após o seu maior investidor, o Saudi National Bank, afirmar que não poderia fornecer mais assistência financeira por questões regulatórias.
O CS está tentando se recuperar de uma série de escândalos que minaram a confiança de investidores e clientes, com fortes saídas de recursos. Apenas no quarto trimestre de 2022, elas somaram o equivalente a mais de US$ 120 bilhões.
“Não vejo uma contaminação direta, apenas uma maior aversão a risco, aos menores bancos e fintechs”, reforçou Werner Roger, sócio-fundador da Trígono Capital, acrescentando que o funding no Brasil é baseado principalmente em depósitos locais e que não há alternativas para o investidor exceto títulos públicos.
“Há uma certa contaminação nas cotações das ações, mas nada sobre a solidez dos bancos grandes locais”, acrescentou.
A reação relativamente comedida das ações dos maiores bancos brasileiros corrobora a premissa. Desde o começo da semana, Itaú Unibanco PN e Bradesco PN perdem cerca de 3% cada um, Banco do Brasil ON cai 2% e Santander Brasil Unit cede 1,7%.
Para Roger, o único banco que poderia sofrer no país é a própria unidade do CS.
Presente no Brasil desde 1959, o Credit Suisse atua principalmente nas áreas de private banking & wealth management e gestão de recursos, realizando ainda operações de crédito, emissão de ações e títulos, abertura de capital (IPO), fusões e aquisições de empresas (M&A), corretagem e tesouraria.
A sua carteira inclui clientes de alta renda, vários oriundos do Banco Garantia (comprado em 1998) e da renomada Hedging-Griffo (comprada em 2007, concluída em 2012).
Analistas do Itaú BBA liderados por Pedro Leduc também afirmaram que bancos brasileiros não estão diretamente expostos às consequências do SVB. “Os valores das perdas não realizadas nos ‘books’ locais não são relevantes e os índices de capital e liquidez são confortáveis”, afirmaram em relatório nesta semana.
Mas eles abordaram discussões secundárias relevantes decorrentes do episódio, incluindo a chance de o financiamento para fintechs ficar mais difícil, assim como um possível efeito indireto na atividade nos mercados de crédito e capitais, que pesaria nas expectativas dos grandes bancos.
Entre o sábado e a última segunda-feira, instituições financeiras brasileiras com ações listadas no mercado norte-americano, entre elas a Nu Holdings e o Inter&Co, anunciaram não ter exposição ao Silicon Valley Bank, a fim de evitar contágio do colapso do banco em seus papéis.
Riscos domésticos – De acordo com o diretor de investimentos da Reach Capital, Ricardo Campos, o efeito de juros altos, que está sendo relacionado como um dos componentes para os problemas de alguns bancos nos EUA e Europa, já aconteceu no Brasil há algum tempo, conforme a Selic saltou de 2% em março de 2020 para os atuais 13,75%.
Ainda assim, diz, há fatores que mantêm um cenário mais desafiador para o setor, como riscos de redução em tarifas de cartão de crédito e do fim do mecanismo do juros sobre capital próprio, entre outros, além de receios no segmento corporativo após o pedido de recuperação judicial da Americanas.
No final do mês passado, dados do Banco Central mostraram que as concessões de empréstimos apresentaram queda significativa em janeiro e levaram a uma baixa no estoque total de crédito no Brasil, enquanto a inadimplência no segmento de recursos livres aumentou.
Analistas do Bradesco BBI adotaram no começo do mês um “modo pessimista” para o setor, que inclui o corte na recomendação para as ações de Itaú Unibanco e Banco do Brasil , enquanto reduziu o preço-alvo de ambos e de vários outros.
“Nós esperamos que 2023 também seja um ano desafiador em termos de inadimplência (NPL) para os bancos, pois acreditamos que a qualidade dos ativos das empresas tende a se deteriorar devido às altas taxas de juros e à economia mais fraca”, afirmaram Gustavo Schroden equipe em relatório a clientes.
Itaú: cenário não justifica antecipação de corte na Selic
São Paulo – Os problemas no sistema bancário americano e a possibilidade de o banco central dos EUA suspender o processo de alta de juros por lá ainda não justificam um corte na taxa básica no Brasil. Essa é a avaliação do economista-chefe do Itaú Unibanco, Mario Mesquita.
Ele lembra que em 2011 o Banco Central do Brasil tentou se antecipar a um suposto problema no sistema financeiro na Europa e deu um cavalo de pau na política monetária: cortou os juros cerca de 45 dias após anunciar um aumento da taxa básica.
O resultado, no entanto, foi o aumento da inflação, o que fez com o BC tivesse de subir a taxa a níveis ainda mais elevados posteriormente.
“A gente ainda tem inflação elevada, expectativas bem distantes da meta. Cortar os juros agora no curto prazo seria arriscado, com bastante chance de dar errado. Quando em 2011 o Banco Central buscou se antecipar ao choque negativo colocando em segundo plano a meta de inflação, deu bastante errado”, afirmou Mesquita.
Ele diz que uma parada no processo de alta de juros nos EUA, ou um aumento menor que o projetado anteriormente, não são suficientes para mudar o cenário da política monetária no Brasil, embora sejam fatores que devem entrar no modelo de projeção do BC, para avaliação do impacto para a inflação.
O Itaú avalia que o cenário mais provável é um aumento de 0,25 ponto percentual nos juros dos EUA na próxima semana, embora não esteja descartada a possibilidade de uma pausa no aperto monetário caso a crise bancária se mostre mais grave nos próximos dias. O banco projeta que a taxa passe do teto de 4,75% para 5,75% neste ano, sem cortes antes de 2024.
O cenário de crédito no Brasil também não justificaria um corte de juros por aqui neste momento. Mesquita disse não ver um cenário de crise de crédito aqui, mas uma desaceleração dos empréstimos normal em momentos de alta de juros. A inadimplência das pessoas físicas também dá sinais de melhora.
Somente se episódios recentes, como a crise da Lojas Americanas, intensificarem a desaceleração do crédito, pode haver alguma mudança na perspectiva para a inflação e para a política monetária. Em sua avaliação, isso é mais um risco do que algo concreto neste momento.
O economista fez uma avaliação positiva da gestão Fernando Haddad nestes quase 90 dias à frente do Ministério da Fazenda.
Disse que o ministro é muito aberto ao diálogo com a sociedade, teve uma vitória importante na discussão que resultou na reoneração parcial dos combustíveis e agora vai travar uma ofensiva de convencimento quando anunciar o novo arcabouço fiscal.
Afirmou, no entanto, que os clientes corporativos do banco estão com atitude de espera em relação a novos investimentos, enquanto não há definição sobre a mudança no teto de gastos em estudo e em relação à reforma tributária.
Mesquita diz esperar uma regra que permita o crescimento da despesa um pouco acima da inflação, mas que não irá frear a trajetória de crescimento da dívida pública, embora não veja um problema que leve a uma crise de fuga de capitais ou calote. “Não tem sintomas de que nosso problema fiscal crônico esteja virando agudo.” (Eduardo Cucolo/Folhapress)
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