A questão do IVA para Nova Lima

João Marcelo Dieguez*
A reforma tributária vem sendo debatida em nosso País há cerca de duas décadas. Nem por isso encontrou um consenso. Por isso, aqui, vou me ater naquilo que enxergo como impactos nos municípios. Desde sua elaboração, a Proposta de Emenda à Constituição – PEC 110 tem entre seus princípios não elevar a carga tributária, promover melhor partilha de recursos, preservar incentivos a micros e pequenas empresas (Simples) e aliviar o peso dos tributos para famílias mais pobres. Até aí tudo bem.
Isso seria possível com a criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que é um modelo de unificação de impostos que permite maior transparência e facilidade de tributação. No IVA, cada etapa da cadeia produtiva paga o imposto referente ao valor que adicionou ao produto ou serviço. Hoje, cerca de 170 países adotam o IVA, que também substitui e unifica os impostos cobrados do consumidor.
Alguns dos impostos que podem vir abarcados no novo IVA são o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN).
Observe que nem todos os tributos são da alçada federal: alguns são hoje atribuídos aos estados e outros aos municípios. Para dar conta dessa divisão de arrecadação existem algumas possibilidades.
A PEC 110 tem como diretriz principal a instituição de um modelo dual do IVA: o IVA Subnacional que seria composto pelo Imposto de Bens e Serviços (IBS) — resultado da fusão do ICMS (imposto estadual) e do ISS (imposto municipal). Em outro front, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) unificaria tributos federais (Cofins e Cofins-Importação, PIS e Cide-Combustíveis), formando o IVA Federal. O IBS, por sua vez teria uma legislação única para todo o país, exceto a alíquota, que será fixada por cada ente federativo.
Aí começam as dúvidas: essa dualidade na raiz do tributo não incentivaria ainda mais a guerra fiscal entre os estados, utilizando-se da variação da alíquota para atrair mais investimentos em relação a outros estados? Isso com certeza já se mostrou não ser muito positivo.
Pelas propostas apresentadas, a transição para o IBS se daria em duas etapas: a primeira, referente aos primeiros 20 anos, teria uma parcela da receita deste novo imposto distribuída de tal forma que os entes federativos – estados e municípios – pudessem manter a atual receita – do ICMS e do ISS – com correção pela inflação. Nas décadas seguintes, porém, a parcela da receita do IBS que repõe a receita real de cada ente seria reduzida, progressivamente. Isso nos mostra que, em duas décadas, teremos um terrível gap na arrecadação municipal.
Aí vem a questão: como será a compensação proposta com a criação do Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR)? Este fundo seria custeado exclusivamente com um percentual das receitas do IBS – lembrando, soma do ICMS e do ISS -, que deve variar em função do aumento real da arrecadação, sendo que este percentual não pode exceder 5%. Temporariamente, se o crescimento real da receita do IBS for muito baixo, o FDR poderia ir até 5,8% do imposto. Mas será que isso vai mesmo cobrir a arrecadação que hoje temos com o ICMS e o ISS nas cidades?
Ao observar o debate no âmbito do Congresso Nacional e o fato de o assunto vir se arrastando por 20 anos, eu como prefeito, tenho cá minhas preocupações, sobretudo por sermos um município que, para não ter sua arrecadação absolutamente atrelada à mineração, vem investindo recursos e esforços na pauta da diversificação econômica. Com isso, dinamizamos nossa economia local nos últimos anos. Fazemos nosso dever de casa exatamente para não dependermos de transferências constitucionais dos governos federal e estadual.
E nossa estratégia tem dado certo! Fato é que, em 2022, a arrecadação de Nova Lima fechou da seguinte forma, em relação aos percentuais dos principais tributos: cota parte do ICMS (25,40%); ISSQN (20,28%) e Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem/12,05%) – isso mostra quase 50% dos impostos vindos do ICMS e do ISS. E digo: a prefeitura não pode perder sua capacidade de investimento em políticas públicas municipais, sobretudo em desenvolvimento econômico, social e educação.
Da mesma forma, temos o Programa Nova Lima 2040 que desenha, hoje, como estará nossa cidade após o fim do ciclo do minério de ferro. Temos investido em cursos técnicos para a população; geração de empregos; tecnologia e programas de recuperação nas escolas; atraído novos negócios; aplicado em inovação, assim como numa política de transferência de renda para a base da pirâmide social municipal. Por isso não podemos nem pensar que, num horizonte de 20 anos, teremos queda na arrecadação exatamente do ICMS e do ISS, já que, até lá, não poderemos mais contar com a Cfem.
Sou favorável à simplificação e à desburocratização no recolhimento dos tributos, mas não podemos perder nossa capacidade de investimentos que impactam diretamente na vida do cidadão. Nova Lima é uma exceção num mar de municípios que, muitas vezes, só contam com o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) para tocar suas políticas públicas, que muitas vezes ficam focadas apenas no que é indispensável, no cotidiano de uma cidade, perdendo totalmente sua capacidade de investimento de médio e longo prazos.
Por isso acredito e aposto na união dos entes federativos, sobretudo dos municípios, para se posicionarem de forma propositiva para cobrar do governo federal uma efetiva contrapartida à retirada dos atuais ICMS e ISS de nossas receitas, caso a reforma tributária seja assim encaminhada. Nós, em Nova Lima, investimos na pauta da diversificação econômica e não podemos, num horizonte de duas décadas, abrir mão da arrecadação que sinaliza queda com a criação do IVA.
*Prefeito de Nova Lima
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