Um sonho bom, uma aventura feliz

Um sonho bom. Uma aventura feliz. A alma leve. O coração tranquilo. A sensação do dever cumprido. Mais que isso: a sensação do desejo realizado. E plenamente. Escrevo, aqui e agora, do lugar do afeto, onde guardo meus mais valiosos tesouros e minhas recordações mais caras. Quem partilha a palavra nesse instante é alguém que embarcou numa viagem arriscada, farta em obstáculos, mas compensadora e, sobretudo, alegre.
Sim, quero falar de alegria. Sem alegria a vida fica muito difícil. Seca, dura, áspera. A alegria faz a gente levitar. Abre um sorriso no rosto e um brilho no olhar. Foram ricos de alegria meus quatro anos na presidência da Academia Mineira de Letras. E o melhor: foi uma alegria que fluiu, derramando-se pelo Palacete Borges da Costa e pelo seu belo anexo. Vetustos, austeros, inacessíveis? Depende de quem vê.
Quando chego à sede da Casa de Alphonsus e de Henriqueta, sinto o seu acolhimento e a sua hospitalidade.
Transportado no tempo, ingresso em um universo paralelo, em que as coisas se ordenam de modo próprio, instituindo outra ordem, criando outra realidade. Uma realidade em que a civilização predomina sobre a barbárie, em que a inteligência tem mais poder que a ignorância, em que os livros valem mais que as armas de fogo, em que a gentileza e a generosidade são mais fortes que o gesto bruto.
A Academia Mineira de Letras se orienta por valores antigos. Permanentes. Essenciais. O primeiro deles é o da boa convivência humana. Somos, desde sempre, uma confraria, uma rede de sociabilidade formada por mulheres e de homens unidos por vínculos poderosos, simbolizados no amor e no entusiasmo pela Educação, pela Cultura, pela História, pelas Letras, pelas Artes, pela Ciência, pela Democracia.
Nada disso sai de moda. Nada disso passa. Gostamos daquilo que fica. Que vence o desafio dos séculos para acompanhar os seres humanos vida afora. Se nos parecemos em muitos aspectos, não somos, no entanto, uma seita, uma facção, um grupo homogêneo. Pelo contrário. São as diferenças que nos alimentam. A Academia é potente porque é diversa e plural. Seus membros possuem origens, trajetórias e visões de mundo distintas. Como provam os fatos.
No último quatriênio, tive a honra de presidir as sessões de posse de dez novos acadêmicos, que vieram para tornar o nosso quadro social ainda mais robusto: Wander Melo Miranda, Jota Dangelo, José Fernandes Filho, Ibrahim Abi-Ackel, Maria Esther Maciel, JD Vital, Antonieta Cunha, Humberto Werneck, Silviano Santiago e Ailton Krenak.
O vigor da biografia e da obra de cada um justifica plenamente o seu assento nas cadeiras da instituição e honra o legado dos acadêmicos que eles tiveram o privilégio de suceder. Reverencio os seus antecessores, com saudade, e para que não haja dúvidas – esta é a casa da lembrança: Ricardo Arnaldo Malheiros Fiuza, Angelo Machado, Afonso Arinos de Melo Franco Filho, Aluízio Pimenta, Bonifácio Andrada, Fábio Doyle, Márcio Garcia Vilela, Carmen Schneider Guimarães, Paulo Tarso Flecha de Lima e Eduardo Almeida Reis.
Se eles não se encontram mais entre nós, seus rastros pelo mundo da Cultura aqui estão, nítidos, marcantes, em nosso acervo bibliográfico e documental, hoje com mais de 30 mil itens, entre livros raros, documentos e manuscritos, totalmente inventariados e quase todos já catalogados.
Também em nossa biblioteca se encontram as páginas escritas pelos patronos da Academia, pelos seus fundadores e pelos que os sucederam, ao longo de cento e quatorze anos, formando uma das mais completas coleções da história intelectual de Minas. E assim será, pelos próximos 114 anos. Para que a nossa memória nunca se perca.
* Rogério Faria Tavares: Jornalista, doutor em Literatura, presidente Emérito da Academia Mineira de Letras (AML)
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