Setor busca meios para fazer virada verde
Leipzig, Alemanha – Há não muito tempo, um fórum internacional sobre transportes era dominado por discussões sobre infraestrutura e segurança. Hoje, embora o debate sobre como reduzir acidentes e expandir as opções de mobilidade permaneça, o tema protagonista nas mais altas conferências do setor é outro: a crise climática.
No ITF (International Transport Forum) deste ano, por exemplo, a palavra descarbonização foi repetida em quase todas as mesas do evento, que acontece tradicionalmente em Leipzig, na Alemanha, e é considerado um dos mais importantes da área.
Não é para menos. O setor é responsável por cerca de um quarto (23%) de todas as emissões de carbono ligadas à energia. Com a expansão da demanda, esse número continua aumentando, assim como a pressão para frear o já irreversível processo de aquecimento global.
Curiosamente, a centralidade da pauta verde no fórum de transportes coincide com a largada de um programa que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou para ampliar o acesso a carros populares no Brasil.
Na avaliação de especialistas, a proposta vai na contramão da ambição global para reduzir emissões e acelerar a transição energética.
É que embora o governo tenha vinculado os maiores descontos a critérios ambientais e incluído ônibus em uma repaginação do programa, o pacote com incentivos estaria desalinhado em relação à discussão que o setor faz em 2023, que dá centralidade ao aperfeiçoamento do transporte público e em alternativas ao carro individual poluente.
Mas os percalços não são exclusividade do Brasil. Apesar dos avanços em tecnologia verde, o processo de descarbonização dos transportes ainda é lento globalmente. Segundo o mais recente relatório do ITF, todas as medidas já implementadas implicariam em uma redução de apenas 3% das emissões até 2050 em relação aos dados de 2019.
Ou seja, os esforços atuais são insuficientes para atingir o objetivo do Acordo de Paris de manter o aquecimento do planeta bem abaixo dos 2ºC.
Transição ambiciosa
Mas o relatório traz uma boa notícia. Há um cenário de transição ambiciosa, que permite cortar as emissões do setor em 80% até 2050, e que sairia mais barato do que manter do jeito que está.
Segundo o documento, o aumento de demanda previsto para os próximos anos já exigirá investimentos maciços. A demanda global de passageiros vai aumentar 79% até 2050. A de frete deve praticamente dobrar.
A projeção do ITF é que fazer a transição acelerada para o baixo carbono significará cerca de 5% menos investimento do que nas políticas atuais.
A cesta de opções inclui ampliar os esforços em eletrificação, expandir o ecossistema de combustível de aviação sustentável (SAF, na sigla em inglês), desenvolver navios com emissões zero e aperfeiçoar o transporte público.
Mas o diabo mora nos detalhes. Debater a transição verde traz à tona uma série de complexidades.
As soluções que dão certo na Europa, por exemplo, não são as mesmas que vão funcionar no continente africano. Além disso, como renovar a frota marítima, rodoviária e aérea sem que isso exclua uma parte relevante da população devido ao aumento inevitável dos custos?
Atingir os objetivos climáticos sem ignorar essas múltiplas camadas é um dos principais quebra-cabeças do setor atualmente. (Thiago Bethônico/Folhapress*)
*O repórter viajou a convite do ITF
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