Mercado desconfiava de fraude na Americanas

Após cinco meses da divulgação do fato relevante com a apresentação das “inconsistências contábeis”, a Americanas assumiu ontem, formalmente, que houve fraude feita pela diretoria anterior.
Agora, já há estimativas de um rombo de R$ 46 bilhões da empresa, que está em recuperação judicial. Para os especialistas ouvidos pelo DIÁRIO DO COMÉRCIO, o anúncio da “gigante do varejo” confirmou o que o mercado já suspeitava.
“O impacto na visão do mercado acaba sendo pouco relevante, pois o mercado inteiro já desconfiava que tinha realmente alguma coisa muito estranha”, destaca o economista e CFO da Somus Capital, Luciano Feres.
Para ele, as empresas concorrentes da varejista também se prejudicam com a situação enfrentada pela Americanas, já que o setor começa a passar por dupla checagem na hora de conseguir crédito. Além disso, ele acrescenta que os consumidores podem ficar receosos, já que acreditam que os outros players serão afetados. “O fato de não ser transparente no quesito financeiro pode deixar os consumidores aflitos e o varejo necessita de confiança”, diz.
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O presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças – Minas Gerais (Ibef-MG), Júlio Damião, avalia a situação como trágica, com impactos nos empregos e na cadeia de fornecedores da Americanas, que foi reduzida, inclusive com o fechamento de alguns deles. “Há impactos até mesmo na arrecadação de impostos. O que aconteceu com a Americanas é o pior evento de fraude de uma companhia privada no Brasil”, diz.
Ele afirma que, antes do fato relevante divulgado ontem, o mercado já tinha a ideia de que algo grave tinha acontecido com a varejista. “Ninguém erra um valor de R$ 20 bilhões. O que aconteceu agora foi a confirmação de uma fraude que o mercado já estava desconfiado”, diz.
O dirigente ressalta que o caso deixa várias lições como o papel dos conselhos de administração e fiscal, da área de compliance e das empresas de auditoria. Para ele, parte das vendas online da companhia devem migrar para outras empresas do setor, já que o consumidor acaba ficando com receio de adquirir produtos da Americanas.
O coordenador do curso de Ciências Contábeis do Ibmec BH, Walter Morais, afirma que o fato relevante divulgado pela varejista “sacramentou” o que o mercado já tinha como indícios. “Já havia uma expectativa do que iria ser consolidado. Agora, é apurar as responsabilidades”, diz.
A fraude acontecia predominantemente em operações como contratos de verba de propaganda cooperada e instrumentos similares (“VPC”), que, conforme informação do fato relevante da Americanas, são usualmente utilizados no setor de varejo e que teriam sido artificialmente criados para melhorar os resultados operacionais da companhia como redutores de custo, mas sem efetiva contratação com fornecedores. “Esses lançamentos, feitos durante um significativo período, atingiram, em números preliminares e não auditados, o saldo de R$ 21,7 bilhões em 30 de setembro de 2022”, diz a Americanas em trecho do documento.
O especialista em educação financeira no Grupo Suno, o economista Guilherme Almeida, diz que o caso das Americanas tem diversos impactos, como redução de pontos de venda e de empregos, além dos reflexos no mercado de crédito, que já convive com elevada taxa de juros no País. “Um evento como esse, de uma empresa conhecida, listada na Bolsa, que tinha uma nota de risco positiva por parte das instituições financeiras, abala a confiança geral do mercado”, observa.
Ele ressalta que as empresas concorrentes da Americanas acabam se beneficiando desde a época que a fraude não era declarada. “Com uma fraude declarada, o risco de inadimplência é muito alto, o que acaba sendo um prato cheio para concorrência”, diz.
O economista frisa que a situação da varejista é complicada, já que sua competitividade no mercado está sendo reduzida, já que a empresa precisa lidar com renegociação de dívidas com seus fornecedores, que não vão disponibilizar suas mercadorias para a companhia sem garantia, em razão do risco. Além disso, instituições financeiras estão mais receosas em conceder crédito para a Americanas. Assim, o custo de capital para para o grupo tende a aumentar.
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