Opinião

A verdade incomoda

A verdade incomoda
Crédito: REUTERS/Cristiano Estrela

Com o fim da escravidão e ainda no Império cuidou-se de substituir a mão de obra cativa e um dos eixos desse processo foi o estímulo à imigração de trabalhadores europeus. Mais ou menos disfarçadamente essa opção tinha um segundo objetivo, o dito “branqueamento” da população local, como que apagando o passado e fazendo prevalecer as pretensões da elite. Num balanço em perspectiva deste processo é possível afirmar que ele teve mais êxito nos estados sulinos – Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, onde imigrantes daquele período, principalmente italianos e alemães, deixaram marcas mais fortes e que ainda perduram.

É fato que nos três estados os colonos europeus aportaram cultura e hábitos que se mantêm com traços amplamente positivos e impactos também relevantes na economia regional, em que o processo de miscigenação foi menos intenso que em outros pontos do País. Nada porém que impedisse a aculturação, mesmo que nos anos que antecederam a Segunda Guerra uma minoria germanófila tenha tentado importar, ou impor localmente, as mesmas crenças que na Europa sustentaram o nazifascismo. De início, enquanto o governo de Getúlio Vargas flertava com Hitler, o terreno parecia fértil, o que não se consumou por conta da adesão brasileira aos aliados.

Tudo isso nos ocorre a partir das recentes evidências de que a região, Santa Catarina especialmente, volta a abrigar movimentos políticos que escorregaram da direita para o fascismo, em alguns casos explicitamente hitlerista. Evidentes aberrações, claramente minoritárias mas que ainda assim assustam tanto na sua expressão política quanto na exacerbação do racismo e até do separatismo. Essa gente, embora como regra descendente de colonos também miseráveis, agora se entende superior, destilando preconceitos, por exemplo, com relação aos nordestinos e aos afrodescendentes.

É preciso conhecer história para entender que nada disso faz o menor sentido e absolutamente não pode ser tolerado. E lembrando, aos que agora arrebitam seus narizes se declarando superiores, que a chegada de seus antepassados foi antecedida pelo extermínio dos povos originários ali estabelecidos, numa ação deliberada que permaneceu por boa parte do início do século passado e ainda repercute. Caso da ação levada ao Supremo Tribunal Federal (STF) em que sobreviventes da tribo dos Ibirama-LaKlano reclamam reintegração de terras no Vale do Itajaí e contam como foram vítimas de ataques realizados ou patrocinados por agentes do Estado brasileiro, além de fazendeiros. Num único desses ataques, em 1904, mais de duas centenas de indígenas foram massacradas.

É preciso e necessário recontar a história, especialmente para que delas tomem conhecimento os que hoje se imaginam superiores.

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