Opinião

Ainda sobre a reforma tributária: hora da verdade

Ainda sobre a reforma tributária: hora da verdade
Com a palavra, o Senado da República brasileira | Crédito: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

José Anchieta da Silva*

 A sociedade brasileira saiu derrotada na Câmara dos Deputados, em Brasília, na primeira semana de julho/2023, quando, sem qualquer debate, sem sequer bem conhecer a proposta de uma parcial reforma tributária, viu-se o seu lesivo texto aprovado. Encontra-se a coisa em fase de tramitação no Senado da República (agosto/2023), a quem caberá a tarefa de corrigi-lo sem meias aparas, evitando-se o desastre que nele se contém. Há, portanto, esperança de que a Câmara alta cumpra o seu papel.

A questão, grave sob todos os ângulos, merece ser analisada diante de três fronteiras que bem orientam os interesses de todos os contribuintes brasileiros: (i) a imperiosa necessidade de uma ampla e bem-elaborada reforma tributária que não pode prescindir de uma reforma administrativa orientadora dos gastos públicos; (ii) a Imprestabilidade do texto aprovado pelos deputados federais; (iii) a certeza de que é possível fazer melhor, muito melhor. Esse é o pensamento de todas as instituições, de todas as academias que têm se dedicado ao exame do tema, cuja relevância não se discute.

Quanto ao primeiro tranche, está arredado de dúvidas que o Brasil necessita e merece uma reforma de seu sistema de tributos. Não se desconsidera o manicômio tributário que atormenta a todos: contribuintes, autoridades e Poder Judiciário cuja boa parte de sua máquina consome tempo e rios de dinheiro com as demandas tributárias ou delas derivadas. Essa reforma não se dará, todavia, com o desejado êxito se não fizer preceder ou acompanhar de uma reforma administrativa, reformando a máquina do Estado e as suas próprias funções, suas necessidades e, principalmente, seus limites. 

Quanto ao segundo tranche, vem à tona os intransponíveis, insuperáveis vícios que habitam o texto aprovado da coisa aprovada no âmbito da Câmara dos Deputados. São tantos que, por questão de tempo e de espaço, por aqui se limitará no apontamento daquelas mais visíveis. No encaminhamento do texto e de sua votação, não houve debate. Sequer se elaborou texto próprio no âmbito congressual, aproveitando-se (e mal) de textos antigos de 2019, inclusive. Dos impactos econômicos, sociais e financeiros da propositura, sequer se cogitou. Em poucas horas, o projeto infeliz foi apresentado e aprovado em dois turnos, numa mesma noite-madrugada (o que corresponde a inconstitucionalidade por vício de procedimento); coincidentemente, nesse mesmo momento, o poder executivo federal derramou sobre as cabeças daqueles legisladores alguns bilhões de reais do sempre constrangido (e deficitário) orçamento nacional. 

Como se vê, há componentes de natureza ética que precisam ser denunciados. Desrespeita-se o pacto federativo, concentrando arrecadação tributária, em larga medida na União, usurpando-se a prerrogativa constitucional de Estados e Municípios. Cria-se um impossível federalismo fiscal, colocando de joelhos perante um “Conselho-síndico” (uma esquisitice que regula, julga, paga e pune) todos os Estados e todos os Municípios na busca de seu naco desse bolo arrecadado (um inusitado condomínio). São, portanto, 27 Estados e 5.570 Municípios de pires na mão. 

Com a promessa de que não haverá aumento de carga tributária (o que não é verdade) e com o discurso de que haverá uma melhor distribuição de peso tributário, na verdade, fica pouca gente para suportar tanta carga. A conta não fecha. Sua irracionalidade é gritante. Na hipótese de a coisa se transformar em lei, prenuncia-se um desarranjo social (e empresarial) sem precedentes. O fenômeno, que se denominou “pejotização” (prestação de serviços mediante pessoas jurídicas e não por carteira de trabalho) resultando numa clandestinidade tributária que tende a aumentar. 

Resta ferir a terceira das realidades com a qual esse texto se comprometeu. Assusta ver que há acreditas instituições, desavisadas, emprestando apoio e adesão àquele texto tal como votado na Câmara. Na matéria, por sua relevância, não se tem o direito de se cuidar apenas do próprio umbigo. O derrotado será o Brasil. Projetos existem (mais de um) orientadores de uma reforma tributária que, de fato, atendam às necessidades do Brasil e dos brasileiros. Cabe ao Senado, fazendo o seu trabalho, não permitir que o Brasil se vitime de uma hecatombe, de uma nova e evitável pandemia.

Portanto, com a palavra, o Senado da República brasileira, no qual todos os brasileiros depositam todas as esperanças.   

*Presidente da ACMinas 

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