Real digital chega para facilitar relação com sistema financeiro

A notícia de que o Real digital já tem nome próprio – Drex, publicada no início do mês, acendeu a atenção de boa parte da população para algo que está em curso já há bastante tempo. A chegada da moeda virtual oficial brasileira promete mudar a nossa relação com o dinheiro e, especialmente, com os meios de pagamentos, muito em breve.
O Drex – abreviação da expressão “digital real exchange” – está cumprindo etapas de desenvolvimento estabelecidas e gerenciadas pelo Banco Central do Brasil (BC) e vai passar por um período em que as transações serão apenas entre empresas antes de ser liberado para uso das pessoas físicas no final de 2024 ou início de 2025.
Segundo comunicado do BC, cada letra do Real digital equivale a uma característica da ferramenta. O “D” representa a palavra digital; o “R” representa o real; o “E” representa a palavra eletrônica; e o “X” passa a ideia de modernidade e de conexão, além de repetir a última letra do Pix, sistema de transferência instantânea criado em 2020.
A partir desse momento entraremos de vez na era da economia digital, que integra recursos tecnológicos que favorecem a realização de negócios e pagamentos sem deslocamentos físicos. A economia digital tem como pilares: a conectividade, a segurança da informação e a excelência na execução.
O Real digital ou Drex – como muita gente ainda pensa – não será uma criptomoeda. Diferentemente desses ativos, que têm uma cotação sem lastro real e uma fonte finita, a moeda brasileira virtual é uma moeda soberana digital. Isso significa que ela tem valor fixo equivalente ao papel-moeda, não sofrendo variação conforme a demanda do mercado. Dessa forma, o cliente (pessoa física ou empresa) deverá depositar em reais a quantia desejada numa carteira virtual, que converterá a moeda física em Drex, na taxa de R$ 1 para 1 Drex.
Após a tokenização (conversão de ativo real em ativo digital), o cliente poderá transferir a moeda digital, por meio da tecnologia blockchain. Caberá ao receptor converter os Drex em reais e fazer a retirada quando desejar.
As transações financeiras registradas nos padrões internacionais também terão mudanças. Atualmente, a moeda soberana brasileira é referida pela simbologia BRL (a forma curta de Brazilian Real). Na forma digital passará a ser referida como Drex.
Reconhecido como dono de um dos sistemas financeiro e bancário mais tecnológicos, eficientes e seguros do mundo, o Brasil é um dos países mais avançados no desenvolvimento de uma moeda soberana digital, à frente, inclusive, dos Estados Unidos. A China é o país que reporta o maior avanço, com este tipo de moeda, já em uso em algumas províncias.
Tecnologia e segurança
A combinação de nuvem computacional e plataformas blockchain resultará em operações de liquidação com baixos custos e alta segurança, além de serem quase instantâneas. Eliminando etapas, a perspectiva é que o processo fique mais barato para o sistema e isso alcance os consumidores. O objetivo é que os serviços bancários se tornem mais simples e acessíveis, permitindo a bancarização plena da população, inclusive com a criação de novas soluções em produtos e serviços.
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Impulsionada pela acelerada transformação digital em andamento na economia global, a discussão sobre a emissão de moedas digitais pelos bancos centrais (em inglês, Central Bank Digital Currencies – CBDCs) ganhou força no mundo todo. Em maio de 2021 o BC lançou as diretrizes gerais de uma moeda digital para o Brasil. No intuito de promover inovação nos meios de pagamentos, incluiu o setor privado na discussão.
E, no início de 2023, o piloto do Real digital entrou na fase de testes de funcionalidades de privacidade e programabilidade através da implementação de um caso de uso específico – um protocolo de entrega contra pagamento (DvP) de título público federal entre clientes de instituições diferentes, além dos serviços que compõem essa transação.
Para isso, empresas – de maneira individual ou em consórcios – do setor apresentaram projetos que foram selecionados pelo Banco Central. O banco Inter, sediado em Belo Horizonte, foi uma delas. A experiência, de acordo com o gerente de tecnologia do Inter, Bruno Grossi, permite que a instituição conheça todas as etapas do processo e contribua com as percepções de quem vai estar na ponta, fazendo a entrega da nova moeda, das novas funcionalidades e soluções que surgirão a partir dela para a população.
“O BC está num caminho muito interessante de abertura e participação da comunidade. A gente pode falar abertamente, discutir com os parceiros. Em setembro, conectados, vamos começar o piloto. Esse planejamento vem desde 2019. A escolha de uma tecnologia aberta tornou tudo mais fácil. O BC está trazendo essa tecnologia para o mundo regulado. Para o Inter é importante porque somos uma empresa pioneira na área de tecnologia para finanças. Somos os primeiros na nuvem e a abrir contas digitais. Está no nosso DNA. Saímos novamente na frente. Nessa colaboração com o Banco Central, ganhamos pioneirismo. Já estaremos preparados quando o projeto chegar. Não é uma estrutura de simples entendimento para todo mundo”, explica Grossi.

Real digital pode sofrer com falta de internet de qualidade
Assim como o Pix, o Real digital promete descomplicar a relação entre a população e as instituições financeiras. A ideia é que “tokenizada”, a moeda nacional desburocratize relações comerciais e dê a partida para uma era de contratos inteligentes que irão se concretizar dentro da blockchain.
Na prática, o Drex terá um funcionamento parecido com o Pix, mas com diferentes finalidades e escalas de valores. Enquanto o Pix (que é um sistema de pagamento) obedece a limites de segurança e é usado, na maior parte das vezes, para transações comerciais, o Drex (que é uma moeda) poderá ser usado para comprar imóveis, veículos e até títulos públicos.
De acordo com o gerente acadêmico do Ibmec BH, Eduardo Coutinho, a virtualização da moeda, em princípio, implica apenas na forma como “transportamos” o dinheiro.
“É uma substituição da forma como a moeda vai ser portada e adquirida, mas ela continua sendo o real. A incorporação de tecnologia é um caminho comum. O dinheiro físico vai continuar existindo por muito tempo e as pessoas não precisam se preocupar em se adaptar a esse novo formato imediatamente. Essa troca barateia custos para a sociedade”, explica Coutinho.

Assim, mesmo as pessoas desbancarizadas vão poder participar plenamente da economia digital. Elas precisam apenas de um dispositivo com acesso à internet, como um smartphone, para realizar transações e armazenar seus ativos digitais.
E é, justamente, no quesito do acesso que o Drex enfrenta uma séria desconfiança: como garantir que a novidade não implique aumentar a desigualdade e a exclusão diante de um cenário em que muitos não têm acesso a uma rede de internet de qualidade e confiável e onde os níveis de letramento digital e financeiro da população são insatisfatórios?
Parte da solução pode vir da própria tecnologia. A expectativa é que a versão digital da moeda brasileira também possa ser operada fora do ambiente web. A funcionalidade já está em desenvolvimento e os usuários não precisarão estar conectados à rede de computadores para transacionar o Drex. Algo parecido com a forma como enviamos mensagens SMS atualmente. Isso garantiria que grande parte da população que não tem acesso pleno a uma internet de qualidade pudesse usufruir das prometidas evoluções e facilidades advindas do Drex.
Para o fundador e CEO da CERC – primeira infraestrutura de mercado financeiro especializada em recebíveis autorizada pelo Banco Central do Brasil -, Fernando Fontes, a convergência das tecnologias será capaz de simplificar os processos e encaminhar o aprendizado da população em geral.
“O Banco Central tem se preocupado em garantir que o impacto que o Pix trouxe e todas as inovações que ainda virão conversem e sejam compatíveis com o Real Digital. São mecanismos que vão se conjugar. Hoje temos um BC com o pilar da eficiência muito mais protegido do que no passado”, argumenta Fontes.

Para o co-chair na Hyperledger Brasil Chapter, Courtnay Guimarães, apesar da preocupante defasagem educacional brasileira, a história mostra que a população tem grande facilidade em lidar com as novas tecnologias, inclusive as que vêm do mercado financeiro.
“O Brasil tem um sistema financeiro referência no mundo em termos de tecnologia e segurança. Eu já trabalhava no setor quando o Plano Real foi implantado. A URV (Unidade Real de Valor) era um artifício imaginário, que servia para conversão de valores. Ninguém sabia como seria a reação da população, mas o Brasil não parou de funcionar. Em dois dias todo mundo fazia a conversão dos valores e a vida seguiu normalmente. Recentemente o Pix demonstrou essa nossa capacidade de aderir a uma tecnologia disruptiva. Na verdade, o brasileiro é um povo que tem ‘sevirol’ e tudo que vem para facilitar a nossa vida é rapidamente aprendido e incorporado”, avalia Guimarães.
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