Massa de manobra

Não é segredo que o sindicalismo brasileiro, tal como se apresenta na atualidade, continua sendo herança do Estado Novo, portanto dos anos 30 do século passado, concebido e montado para atuar como um dos braços do getulismo. O tempo passou e o modelo permaneceu vivo, mesmo depois da convivência forçada com pouco mais de duas décadas de ditadura e sem que se possa afirmar com mínimo de certeza que represente, de fato, a classe trabalhadora e sim pouco mais que conveniências de grupos políticos de variados matizes, não raro conflitantes, que se apropriam de bandeiras coletivas para nutrir interesses bem distantes desse propósito. O inverso pode até existir, mas não passará de exceção.
Dizem os estudiosos mais atentos e menos engajados que um dos pontos centrais que leva à melhor compreensão do que se passa, ou do artificialismo do sistema atual em que a própria representatividade merece ser questionada, é a imposição de um único sindicato para representar determinada categoria de trabalhadores, a chamada e nunca suficientemente explicada “unicidade“. Dito de outra forma, sem que exista liberdade de escolha, o que explica a baixa adesão e participação, o que por sua vez facilita manipulações, quase sempre num jogo de interesses que não resistiriam à luz do dia. Não, pelo menos, para quem entende o sindicalismo como representação transparente e verdadeira, além de autônoma, de uma determinada categoria de trabalhadores, expressando e defendendo seus interesses.
Estas são considerações oportunas e necessárias diante da informação de que teria chegado à fase final proposta do governo federal para rever pontos da legislação trabalhista, tendo como ponto central o retorno da contribuição sindical obrigatória, extinta em 2017. Pelo que já se sabe a respeito, é possível que a contribuição seja de até 1% do rendimento anual do trabalhador e não mais do equivalente a um dia de trabalho. Pode parecer pouco, mas na realidade é muito. Se a ideia vingar, a nova “contribuição” poderá ser até quatro vezes maior que a anterior. Mais encargos e nenhuma garantia de que os valores arrecadados revertam, efetivamente, para o atendimento de demandas dos contribuintes.
Quando tanto se fala em democracia e liberdade, nada, absolutamente nada, justifica que o sindicalismo seja, na prática, moldado por valores contrários, em que a minoria acaba decidindo pela maioria em assembleias manipuladas e onde até mesmo regras de quórum podem ser subvertidas facilmente. Eis porque tratar somente, ou quase, de ressuscitar a contribuição obrigatória sugere que, como no passado, o trabalhador continua sendo visto apenas e exclusivamente como massa de manobra.
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