Opinião

Sem medo da inversão de fluxo

Sem medo da inversão de fluxo
Crédito: Reuters/Ueslei Marcelino

Inversão de fluxo não pode ser razão para impedir acesso à rede de distribuição. Deve-se buscar a eliminação de eventuais problemas e não da inversão em si. O relacionamento entre os investidores em geração distribuída e as distribuidoras de energia elétrica nunca foram dos mais fáceis e fluentes, o que pode ser explicado, em boa parte, pelo fato de que, pelo regramento originalmente existente e depois confirmado pela legislação, essas últimas perdem receita quando um de seus consumidores decide pela instalação de placas solares.

Essa dificuldade de entendimento parece estar longe de acabar. A Resolução 1000/2020 trouxe em seu artigo 73, parágrafo 1º, o conceito de que a inversão de fluxo de potência na rede de distribuição tem que ser eliminada e, para tanto, sugere alternativas de trocas de circuitos de distribuição e de modulação da carga mas, na impossibilidade disso, sugere que a unidade geradora seja conectada na rede de subtransmissão. 

O motivo para tanto, segundo se lê no voto que apresentou a matéria à aprovação da Diretoria da Aneel, seria a existência de eventuais problemas operacionais que pudessem advir de tal inversão de fluxo. Por conta disso, tem havido muitas recusas para a conexão de novas usinas de geração distribuída às redes de média tensão e o fundamento utilizado é exatamente a ocorrência de inversão de fluxo.

O assunto deve ser melhor examinado e, provavelmente, deva ser revista tal imposição regulatória de eliminação da inversão de fluxo. A geração distribuída tem virtudes e, entre elas, destaca-se a possibilidade de sua instalação em proximidade com a carga, o que faz com que o fluxo de potência nas redes de distribuição diminua e, consequentemente, que as perdas técnicas nessas redes diminuam.

A opção de forçar que essa conexão seja feita diretamente na rede de subtransmissão, sem que restem esgotados todos os recursos possíveis para eliminação dos eventuais problemas que tais inversões possam causar nas redes de média tensão, não pode prosperar pelos seguintes motivos:1)  Introduzir na rede de subtransmissão uma dupla e desnecessária transformação, ou seja, colocando uma transformação para elevar a tensão da usina até a rede de subtransmissão e, em algum outro ponto dessa rede será necessária nova transformação para reduzir a tensão até a rede de distribuição; 2)  Estar perpetuando a perda técnica plena no circuito de distribuição que poderia ter recebido a conexão de uma ou mais usinas e, com isso, ter tido sua perda técnica reduzida pela decorrente redução da corrente elétrica; 3)  Comprometer o conceito de expansão da rede elétrica ao menor custo global, uma vez que, na maioria das vezes, os eventuais problemas operacionais de uma inversão de fluxo poderão ser superados por soluções de rede menos custosas do que as dos dois itens anteriores; 4) Impedir, no presente, uma solução que não seria problema para o futuro, pois, com o crescimento natural da carga, as inversões de fluxo ou se anulam ou são reduzidas. Sentenciar uma usina a se conectar em tensão superior simplesmente por um olhar de uma situação presente de inversão de fluxo é uma visão míope e não condizente com um planejamento otimizado de longo prazo, pois, repita-se, com o crescimento natural e esperado da carga eventuais inversões desaparecem.

A literatura técnica mundial há anos vem apontando que a rede de distribuição ficará mais sofisticada por conta exatamente do advento da geração distribuída. Assim como o que define a função transmissora de linhas de transmissão e de subestações é a possibilidade de inversão de fluxo de potência em função das variações dos despachos de fontes de geração a elas conectadas. 

As redes de distribuição, ao passarem a ter conexões de gerações distribuídas, poderão ter seus fluxos invertidos de acordo com os despachos de tais usinas e, da mesma forma com que os transmissores operam suas redes dentro dos padrões aceitáveis de controle de tensão e de demais grandezas, os distribuidores deverão dotar suas redes de controles e recursos tecnológicos para igual resultado. Isso não é nenhuma novidade ao setor elétrico. Trata-se de tecnologia mais do que testada, usada e aprovada. Apenas passará a ser utilizada também na rede de distribuição.

Dessa forma, para se evitar que mais usinas sejam alocadas em tensões superiores àquelas que seriam as de alocação ótima, essa restrição regulatória de eliminação deve se focar aos eventuais efeitos indesejados da inversão e não à inversão em si, pois, a persistir tal situação, a mesma poderá ser indutora de expansão do sistema elétrico a custos maiores do que os necessários e não fará com que a distribuição de energia possa aprimorar-se e tornar sua rede elétrica capaz de transitar blocos de energia que são benéficos à redução das perdas técnicas.

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