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Quatro séculos de poesia na família Guimaraens

Com lançamento previsto para o final do mês, na sede da Academia Mineira de Letras (AML), “Correntezas em tinta e versos – quatro séculos de poesia na família Guimaraens” (Editora Ibis Libris, 310 páginas), organizada por Afonso Henriques Neto, ocupante da cadeira de número vinte e sete da instituição, é obra que reúne a produção de sua linhagem, sempre atenta e sensível ao fenômeno literário, desde João Joaquim da Silva Guimarães, que a inaugurou. Nascido em Sabará ainda no século XVIII, foi o pai do famoso romancista Bernardo Guimarães, autor do célebre “A escrava Isaura”, que conquistou o mundo inteiro. Abolicionista, Bernardo também atuou na imprensa e exerceu a magistratura. Seu irmão, o padre Manoel Joaquim da Silva Guimarães, igualmente escreveu poemas. “Saudade da minha aldeia” está no livro.

Sobrinho-neto de Bernardo, Alphonsus de Guimaraens foi expoente do movimento simbolista no Brasil. Patrono da AML, saíram de sua pena versos memoráveis, como os de “Ismália”: “Quando Ismália enlouqueceu/Pôs-se na torre a sonhar…/Viu uma lua no céu/Viu outra lua no mar./No sonho em que se perdeu/Banhou-se toda em luar…/Queria subir ao céu,/Queria descer ao mar…” O irmão mais novo de Alphonsus, Archangelus, teve sua produção poética publicada apenas postumamente, em edição coordenada por Alphonsus de Guimaraens Filho, seu sobrinho, em 1955. O livro recebeu o título de “Coroa de espinhos” e incluiu trabalhos muito populares no tempo do poeta, como “Vendedora de flores”, “Versos campesinos” e “Balada da lua”, de que transcrevo a primeira estrofe: “É noite. Vai alta a lua./Barco perdido no céu!/Serena e doce falua,/Procurando a imagem tua,/Vai tão triste assim como eu!”

Mais conhecido como contista (são dele os notáveis “Galinha cega” e “Sardanapalo”) e como o romancista de “Totônio Pacheco”, João Alphonsus não chegou a lançar livro de poemas, embora tenha composto vários, muitos dos quais publicados nos jornais de seu tempo. É belíssimo o que dedicou ao pai, intitulado “Alphonsus”: “Corre em meu corpo o sangue de um asceta./ A pulsação de minha artéria tem/ O ritmo da poesia deste poeta/Que me  gerou cantando a dor e o bem”. Eleito para a cadeira de número nove da AML em 1942, era irmão de Alphonsus Filho, que ocupou a cadeira de número quatro. Poeta de larga e qualificada trajetória, dele disse Drummond tratar-se “das vozes mais  puras que já se escutaram em verso no Brasil”. José Guilherme Merquior opinou: “… com Alphonsus Filho o soneto volta a ser, resolutamente, o monumento de um momento – a cápsula verbal do vibrar de uma emoção”. Assim como o irmão, ele também encontrou no pai fonte rica de inspiração. Registro trecho de “Solidão de Alphonsus”: “A alma a subir estrada de astros tinha/pura luz que a encharcava e que afogava/ ruas e casas, ribeirão, a vida./ E se a poesia é que te iluminava,/ em seus vagos contornos te sustinha:/- No duro real, a nave ao luar perdida”.

Afonso Henriques Neto estreou na Poesia em 1972, com “O misterioso ladrão de Tenerife” (em coautoria com Eudoro Augusto). Quatro anos depois, participou da memorável antologia “26 poetas hoje”, organizada por Heloísa Buarque de Hollanda, dedicada a reunir os trabalhos da chamada ‘geração marginal’, conhecida pela resistência à ditadura militar. Da obra de Afonso e dos novos Guimaraens falarei mais na semana que vem.

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