Polarização ameaça o futuro do Brasil
Como as opiniões políticas passaram a ditar com quem convivemos e por que tratamos as opções de candidatos como se fossem parte da nossa identidade? Essa é apenas uma das perguntas que o livro “Biografia do Abismo – como a polarização divide famílias, desafia empresas e compromete o futuro do Brasil”, lançamento da editora HarperCollins, disseca e responde. A partir da análise de 99 mil entrevistas domiciliares entre 2021 e 2023, o cientista político Felipe Nunes e o jornalista Thomas Traumann traçam um Brasil na beira do despenhadeiro e tentam explicar por que a tolerância com a opinião divergente ficou tão curta e o acirramento nos grupos de WhatsApp não se encerrou mesmo depois das eleições.
Na eleição de 2022, a mais disputada da história, o País viveu a consolidação de um processo de polarização extrema que transbordou dos palanques políticos para o dia a dia. As pesquisas, conduzidas pela empresa Quaest, mostram que um em cada sete brasileiros rompeu uma amizade durante a campanha e, entre estes, a grande maioria afirma que mesmo depois da proclamação dos resultados não se arrepende da briga por motivos políticos. Um em cada quatro brasileiros diz que se sentiria mal caso seus filhos estudassem em uma escola onde os pais dos outros alunos tivessem uma visão política distinta da sua. Quase um terço conta que ficaria infeliz se um genro ou uma nora votassem em um candidato diferente do seu – mesma proporção dos que ao escolher o canal de TV para assistir a um noticiário preferem aquele politicamente mais próximo.
Os autores lembram que a divisão política é recorrente na história brasileira. Entre 1994 e 2014, PT e PSDB protagonizaram um embate que ficou conhecido pela expressão “nós contra eles”. Era uma disputa dura, mas não pregava a aniquilação do adversário. Durante o governo de Jair Bolsonaro, a posição sobre Bolsonaro ou Lula passou a ser parte da identidade de cada eleitor. Essa polarização reflete-se em uma disputa na qual o centro do debate está no âmbito moral, não nas plataformas econômicas e propostas sociais.
Nunes e Traumann concluem que essas clivagens estão tão solidificadas na sociedade que se comparam a uma calcificação, o fenômeno de enrijecimento de cada um dos lados em suas posições, como acontece com as torcidas de futebol. Ao assumir as cores do lulismo ou do bolsonarismo como as de quem torce para Flamengo ou Fluminense, o eleitor transforma sua escolha em um traço de sua personalidade. Assim como a identidade do torcedor não muda com o fim da partida, a identidade do eleitor de cada um dos oponentes permaneceu depois da eleição, mostram as pesquisas.
O paradoxal, defendem os autores, é que esse estado de enrijecimento das paixões políticas não implica resultados eleitorais pré-determinados. Isso porque as identidades associadas ao lulismo e ao bolsonarismo deram origem a movimentos tão grandes que o resultado pode acabar sendo definido por grupos pequenos. Ao se abster ou optar por um dos lados, eles podem decidir a balança eleitoral. Foi o que aconteceu em 2022, quando o numericamente pequeno grupo batizado de “liberais sociais” fez pender a balança das eleições para Lula.
O Brasil da polarização extrema se aproximou do abismo de um conflito sem volta nos atos antidemocráticos de janeiro de 2023, afirmam os autores. A existência desse abismo pode levar à conclusão de que uma reconciliação nacional é impossível. Mas também pode ser, avaliam, o grande desafio a ser enfrentado e superado.
Ficha técnica
Livro: Biografia do Abismo – como a polarização divide famílias, desafia empresas e compromete o futuro do Brasil
Autores: Felipe Nunes e Thomas Traumann
Editora: HarperCollins
Páginas: 240
Preço: R$ 54,90
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