Campos Neto chega ao último ano no BC

Brasília – Roberto Campos Neto chega em 2024 ao último ano de mandato como presidente do Banco Central (BC). Ao mesmo passo em que colecionou críticas do governo à política de juros, ajudou a modernizar o sistema financeiro com avanços na agenda de tecnologia, como o lançamento do Pix e o desenvolvimento do Drex (moeda digital).
Como principal marco de sua gestão, ficará na memória a implementação da autonomia institucional do BC – em uma demonstração de habilidade política para concretizar o sonho de seu avô, Roberto Campos – ícone do liberalismo econômico no Brasil.
O banqueiro central, contudo, não conseguiu reverter sua capacidade de articulação em resultados para demandas internas, vendo crescer a insatisfação dos funcionários da casa com a deterioração das condições de trabalho nos últimos anos.
Na condução da política monetária – papel principal do BC, Campos Neto liderou um colegiado que foi aos extremos.
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Em agosto de 2020, na pandemia de Covid-19, o Comitê de Política Monetária (Copom) reduziu a taxa básica de juros (Selic) a 2% ao ano, o menor nível da história. Manteve o patamar em mais quatro reuniões, antes de iniciar o ciclo de aperto monetário.
Economistas ouvidos pela Folha consideram que, olhando em retrospecto, o BC cortou os juros em demasia. O que na época parecia razoável, para estimular a economia, hoje é entendido por eles como um erro de avaliação coletivo.
Para Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC, Campos Neto testou os limites de sua atuação ao assumir o cargo, em 2019, e tomou muito risco durante a pandemia.
Por outro lado, considera que o atual chefe do BC se mostrou audacioso na virada de chave, corrigindo rapidamente a rota. De maneira geral, vê uma gestão positiva. “Ele coloca o sarrafo razoavelmente alto para quem vier para o seu lugar”, afirma.
Ex-presidente do BC e diretor-presidente da Tendências Consultoria, Gustavo Loyola classifica a gestão de Campos Neto como competente. “Isso não quer dizer que o BC só acertou”, pondera.
Entre os erros, ressalta o uso do chamado forwardguidance – prescrição dos próximos passos, durante a pandemia. “O objetivo era reduzir as incertezas, mas ficou prisioneiro do guidance [direcionamento] que deu para o futuro”, diz.
Em março de 2021, o colegiado do BC iniciou a escalada de juros mais intensa desde a criação do sistema de metas de inflação, em 1999.
Foram 12 aumentos consecutivos até a taxa chegar a 13,75% ao ano e depois mais 12 meses com a Selic estacionada nesse patamar – a contragosto do governo Lula (PT) e de empresários. Hoje, está fixada em 11,75% ao ano.
Conforme o último relatório trimestral de inflação, o BC reduziu a aposta de a inflação estourar o teto da meta neste ano (4,75%) para 17%. Seria o terceiro estouro consecutivo. Nos dois anos anteriores, o alvo ficou acima do limite de tolerância.
Segundo Gleisi Hoffmann, presidente nacional do PT e uma das vozes mais críticas à atual gestão do BC, “ninguém prejudicou mais o Brasil este ano do que Campos Neto e sua diretoria.”
A deputada federal afirma que o início de cortes na Selic veio tarde e que o ritmo de queda da taxa básica “é de tartaruga”.
Conquista da autonomia é marca da gestão
A autonomia do BC entrou em vigor em fevereiro de 2021 depois de uma costura política com o Congresso Nacional. Entre os parlamentares, é ponto sacramentado e trouxe credibilidade para a instituição.
A medida busca blindar o órgão contra eventual ingerência política. O texto estabelece mandatos fixos de quatro anos ao presidente e aos diretores do BC, não coincidentes com o do presidente da República, com a possibilidade de uma recondução ao cargo.
A lei também determina que o chefe da autoridade monetária tem de ir ao Congresso Nacional prestar esclarecimentos ao menos duas vezes ao ano.
Roberto Campos Neto conta com o respaldo do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL).
“Tem sido um zeloso guardião da moeda e da autonomia do BC, independentemente das pressões de agentes políticos e econômicos que gostariam de uma política de juros mais flexível”, diz.
Lira destaca que o presidente do BC sempre manteve um bom relacionamento com os parlamentares, “respeitou e foi respeitado” pelo Legislativo. “Debateu os temas com seriedade e serenidade, mesmo diante de legítimos questionamentos de parlamentares que divergiam de sua opinião. Não se furtou a dar as explicações técnicas”, acrescenta.
O senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), reforça que Campos Neto tem crédito com os parlamentares e que ele conquistou um respeito muito grande no Senado Federal.
“É uma pessoa muito moderada. Todas as vezes em que a gente o convidou a ir tanto na comissão quanto no plenário para dar explicações sobre juros, ele foi de forma serena”, diz.
Ao longo de seu mandato, Campos Neto frequentou jantares organizados por parlamentares e, nos bastidores, seu nome foi ganhando peso para eventualmente ocupar o posto de comandante da economia do país.
Para Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara dos Deputados e atual presidente da CNF (Confederação Nacional das Instituições Financeiras), Campos Neto fortaleceu a ponte do BC com o mundo político.
“Roberto [Campos Neto] talvez seja aquele que construiu as melhores relações de diálogo, de estar próximo para mostrar toda a complexidade da questão da política monetária, os motivos das decisões”, afirma.
Ele diz ver Campos Neto como um “ótimo exemplo de um quadro técnico que veio do setor privado e não se intimidou com a política.”
Ressalta que o presidente do BC liderou parte da agenda econômica de enfrentamento à pandemia, no início de 2020, quando o então ministro da Economia, Paulo Guedes, ficou trabalhando no Rio de Janeiro, antes de se mudar para a Granja do Torto, em Brasília.
Modernização nos últimos anos é elogiada
O mandato de Roberto Campos Neto no Banco Central também será lembrado por avanços na modernização do sistema financeiro, com iniciativas como Pix, Open Finance e Drex (moeda digital em fase de testes).
Não se restringir ao “arroz com feijão” do BC foi uma das qualidades da gestão de Campos Neto, segundo o diretor de Mercados da Tesouraria do Santander, Sandro Sobral.
“Foi a pessoa que avançou como nunca nesse processo de digitalização do BC, o Pix vai ser uma marca registrada que não vão tirar dele”, diz.
Campos Neto liderou a implementação do sistema de pagamentos instantâneos gestado por seu antecessor, Ilan Goldfajn. Hoje, o Pix é o meio de pagamento mais utilizado no Brasil, com mais de 157 milhões de usuários cadastrados.
Sobral destaca ainda o conhecimento aprofundado de Campos Neto sobre a dinâmica do mercado financeiro e o contato mais próximo com agentes econômicos internacionais.
Um técnico do governo Lula considera que a atual gestão do BC usou ferramentas modernas para alavancar a bancarização e a inclusão financeira, deu apoio para o cooperativismo de crédito e se preocupou com o mercado de capitais.
Os servidores do BC também apontam a virada tecnológica da instituição como um legado positivo da gestão de Campos Neto, mas dizem que os avanços estão ameaçados por conta da desvalorização da carreira.
Para um funcionário ouvido pela Folha sob sigilo, houve “muita retórica e pouca prática” e Campos Neto será “um presidente para esquecer”.
Ele destaca que havia a promessa de que as demandas de reestruturação de carreira seriam atendidas ainda em 2022 o que não se concretizou, apesar da greve feita pelos servidores da casa no ano passado. Sem os pleitos atendidos, a mobilização foi retomada neste ano e promete se intensificar.
Apesar de a lei de autonomia autorizar uma recondução, o presidente Lula deve indicar para o comando do BC alguém mais alinhado a seu governo. Campos Neto diz que não aceitaria um segundo mandato e que nem cogita entrar para a política partidária no futuro. (Nathalia Garcia)
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